Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Criatividade em pauta

Quando não há nada de novo a noticiar em casos que garantem a venda de exemplares, como a morte da menina Isabella Nardoni, como manter os leitores interessados? Um recurso óbvio é fazer retrospectivas, como a da Veja desta semana (13/04/2008), que conclui a matéria ‘Isabella continua morrendo dizendo’:

‘Policiais que investigam o caso acreditam que, até terça-feira, o assassino, ou assassinos, de Isabella será conhecido. É nesse dia que a polícia espera receber os resultados de laudos periciais que considera fundamentais para a reconstituição do crime: o que confirma se o sangue encontrado no apartamento é mesmo da menina, o que identifica o proprietário da pegada encontrada próxima à janela de onde ela foi atirada e o que descreve as mãos do criminoso que a asfixiou. Até lá, a brutalidade que atingiu Isabella continuará ecoando em forma de dissimulação, mentira e covardia.’

A verdade é que, para manter a pauta, vale tudo: cerco à casa onde o casal Nardoni está recolhido, entrevistas com moradores do prédio onde a menina foi morta, matérias sobre polícia técnica. Enfim, entrevistas e pequenas matérias com qualquer pessoa remotamente ligada ao assunto.

Apelar para a psicologia é outro recurso muito usado, como as matérias da Folha de S.Paulo no fim de semana: ‘Nascimento Tardio’ e ‘Caso Isabella Nardoni abala crianças, dizem psicólogos’ (13/4/2008). A primeira matéria começa com uma reflexão interessante:

‘Uma das reações ao assassinato de Isabella Nardoni – a precipitação da imprensa, de certos investigadores e até de membros do Judiciário em acusar o pai da menina – incita a refletir. Por que tanta pressa para encontrar um culpado, infringindo o elementar direito desse homem à presunção de inocência e eventualmente a um julgamento justo? E isso apesar do precedente da Escola Base, no qual os adultos suspeitos de abuso sexual contra um menino se mostraram inocentes.’

E conclui dizendo:

‘Demonizar o pai de Isabella pode ter a função de exorcizar algo que tememos, porque inconscientemente também desejamos a possibilidade de prejudicar, pouco ou muito, os pequenos que dependem de nós. Já o sabia o profeta Jeremias: Os pais comem uvas verdes, e os dentes dos filhos apodrecerão (Jeremias, 31:29)’.

Assunto preferencial

Das matérias do fim de semana, a do Estado de S.Paulo é a única que se destaca pela criatividade. Em ‘Outros casos de crianças morta seguem sem solução’, a repórter foi pesquisar os casos de outras quatro crianças mortas nos quais os ‘pais que perderam os filhos se queimam da lentidão nas investigação, falta de laudos e descaso da polícia’. Não faltou sequer a denúncia à própria imprensa, no depoimento da mãe de uma das crianças mortas e esquecidas:

‘A gente se sente excluído vendo o caso de outra criança quase da mesma idade recebendo tanta atenção. Ele também era nossa vida’ (O Estado de S. Paulo, 13/04/2008).

Vamos esperar que, solucionado o caso Isabella, a imprensa não esqueça dessas vítimas que, além de crianças, tinham em comum o fato de viverem na periferia. A morte delas pode ser tão comovente como a da menina de classe média. É só a mídia resolver transformá-las em assunto preferencial, como aconteceu, por algum tempo, com a menina torturada em Goiás.

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Jornalista