Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crime, mídia e condenação

Fatos que envolvem violência brutal sempre são manchetes de jornais. O sensacionalismo da mídia atrai milhões de pessoas para os noticiários de TVs, rádios e jornais. Vende-se a notícia e explora-se a comoção humana.

É certo que a imprensa tem um papel importante em um Estado Democrático de Direito, pois é livre a manifestação de pensamento (art. 5, IV, da CF), e é assegurada a liberdade de informação (art. 5º, XIV, da CF), como direitos fundamentais.

No entanto, quando se trata de crimes violentos, a imprensa costuma ser tendenciosa. É certo que os meios de comunicação devem relatar os fatos, mas isso deve ser feito com a cautela devida, sem juízo prévio de opinião. Sabe-se que acontecimentos como os que envolveram o recente caso da menina Isabella revoltam a população. Mas não se deve esquecer que a Constituição de 1988 determina que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da condenação (art. 5º, LVII, da CF). A mídia não pode se imiscuir nas investigações policiais e indicar criminosos. O Ministério Público, quando oferece denúncia, deve narrar os fatos e o autor do crime com base em provas. Mas a imprensa não dispõe de provas e não lhe cabe o papel de acusar ninguém.

Decisão correta

Lógico que quem comete homicídio deve ser punido pelas leis penais (art. 121, do CP), mas deve-se ter cuidado quando se dá notícias de crimes, pois as pessoas tendem a querer encontrar um culpado, ainda que o suposto criminoso não seja o autor do delito.

O Estado, por meio do Poder Judiciário, responde à sociedade com a punição dos que infringem as leis penais. Mas, para tanto, o fato descrito no tipo penal deve estar provado nos autos. Não é possível se fazer juízos precipitados com o intuito de dar uma satisfação à população com a condenação de um inocente.

A prisão de quem possui indícios veementes de autoria do crime só pode ser decretada quando presentes os requisitos do art. 312, do CPP, consistentes na fumus boni iuris e no periculum in mora.

Assim sendo, no caso da menina Isabella Nardoni, o pai e a madrasta da criança não constrangeram testemunhas, não dificultaram as investigações, nem estavam prestes a fugir. Não se configurou, no caso concreto, os motivos para a decretação da prisão temporária como foi concedida, razão pela qual foi correta a decisão de julgar procedente o pedido de habeas corpus.

Judiciário dará resposta

Não se está com isso a afirmar a inocência ou não dos culpados; apenas a ressaltar que a punição a qualquer custo, como às vezes faz soar a opinião popular, acolhida pela mídia, é o caminho da ditadura e o fim das liberdades individuais. A partir do momento em que se passar a defender, como querem alguns, prisão antes do trânsito em julgado, sem os requisitos da prisão preventiva mas apenas pelo clamor popular, corre-se o risco de qualquer pessoa inocente ser presa, sem direito à defesa, como aconteceu com as vítimas de perseguições políticas no regime militar.

Deve-se, sim, lutar pela justiça efetiva, mas nunca fazer juízos precipitados. A mídia tem o direito e o dever constitucional de informar, mas não pode formar prévio juízo de opinião e divulgar fatos que não estão provados, pois se assim se proceder a justiça será feita pela imprensa e pela população, voltando-se ao tempo da vingança privada, quando se sabe que somente o Poder Judiciário tem o papel de dar a sanção penal.

A morte trágica de uma criança ofende a consciência coletiva, expressa na Constituição e nas leis, fruto da vontade popular. Mas, a condenação de um inocente ofende a liberdade individual.

As provas dirão quem é o culpado, e com base nas mesmas o Judiciário dará a resposta à sociedade. Assim sendo, mesmo com o risco de assumir uma posição garantista, parece ser este o meio mais adequado para atingir a justiça.

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Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes (RJ), mestre em Políticas Públicas e Processo e pesquisadora da UNIFLU/FDC