‘3/9/07
Pequenos (ou nem tanto) tropeços setembrinos
Seguem comentários sobre os últimos dias. O fim de semana foi marcado por uma boa edição dominical, a despeito de tropeços vários.
A privatização da Vale
O jornal publicou artigo do jurista Fábio Konder Comparato sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce dez anos atrás, noticiou o apoio do congresso do PT ao plebiscito político sobre a reestatização, declarações de dirigentes petistas que se opõem à decisão e o silêncio voluntário da empresa. Fez bem.
Faltam, porém, informações que contribuam para que os leitores possam formar opinião, reconstituindo o que foi o leilão da companhia e o que afirmam as partes na Justiça (houve mais de uma centena de ações populares tentando derrubar o negócio). Mais: o que a Vale era antes e é hoje, a evolução do seu impacto na economia, no trabalho etc.
Imagem fraca
A maior fotografia da primeira página de domingo, sobre o título em quatro colunas ‘Greve no Nordeste expõe o caos na Saúde’, é jornalisticamente fraca, sem dramaticidade, em contraste com as histórias contadas na reportagem.
Faltou (pelo menos) um
A reportagem ‘Lula diz que lutará para fazer o sucessor e alerta para ‘tsunamis’’ (pág. A8 de domingo) afirma: ‘Ao final do discurso, [o presidente] tripudiou sobre políticos que, sem mandato, viajaram para o exterior para fazer cursos, como foi o caso de seu adversário Geraldo Alckmin (PSDB), que fez curso de políticas públicas em Harvard (EUA) após perder a eleição do ano passado’.
O texto ao lado, ‘Partido tem 4 possíveis nomes para sucessão’, diz que o primeiro eventual candidato para 2010 citado hoje por Lula é Ciro Gomes.
Por isso, era obrigatória a referência ao fato de Ciro também ter passado, sem mandato, uma temporada em Harvard. Salvo engano, quando ainda era próximo de Mangabeira Unger.
Erramos sindical
No quadro ‘Os repasses aos sindicatos’ (pág. A10 de domingo), o segundo título ‘Entidades ligadas à CUT’ parece estar errado. O correto seria ‘ligadas à CGTB’.
Aula de roubalheira
É impressionante a roubalheira exposta pela reportagem ‘Empresário revela caminho da corrupção’ (pág. A16 de domingo). O jornal acertou ao deixar claro que interesses contrariados moveram o denunciante.
Sem equilíbrio
O texto ‘Para relatores, nova denúncia influencia processo de Renan’ (pág. A19 de domingo) padece de desequilíbrio editorial. Primeiro, se refere ‘aos relatores’, como se todos tivessem a mesma opinião. Depois, ouve apenas Renato Casagrande e Marisa Serrano, pró-cassação do senador. Deveria ter procurado Almeida Lima, também relator no Conselho de Ética, aliado do presidente do Congresso.
O famoso quem
Quem é o tal ‘Tenório’ citado no texto ‘Presidente do Senado conta com votos no DEM e no PSDB para ser absolvido’ (pág. A18 de domingo)?
O leitor não é obrigado a saber.
Boas reportagens sem encanto
Três boas reportagens: ‘Usinas do Madeira turbinam Rondônia’ (pág. B6 de domingo), ‘Fechamento de hospitais e greve mostram caos na saúde’ (abrindo na capa de Cotidiano 2 de domingo) e ‘Cresce o alcoolismo entre mulheres’ (capa de Cotidiano de hoje, rendeu a manchete do jornal) apresentam características semelhantes: poderiam ter sido abertas com estrutura narrativa, em torno de personagens ou situações, mas foram elaboradas como notícia, com ‘pirâmide invertida’, uma pena. Poderiam ser muito mais interessantes.
Erramos administrativo
A reportagem feita em Rondônia se refere corretamente a Mutum como povoado e vilarejo.
O Quadro ‘Onde ficam e como funcionarão as usinas’, no entanto, afirma que Mutum é uma cidade. Não seria distrito de um município, a capital Porto Velho?
Erramos de título
O título da capa de Cotidiano 2 de domingo, ‘Fechamento de hospitais e greve mostram caos na saúde’, aparentemente não se ampara nos fatos relatados.
A abertura se refere ao ‘fechamento de mais um hospital ligado a universidades federais’. Não diz qual.
A seguir, e também na reportagem na pág. C17, se informa que: ‘muitas das instituições começam a paralisar o atendimento à população’; ‘muitos hospitais não chegarão ao ano que vem’, afirmou o dirigente de uma associação; algumas unidades ‘correm o risco de fechar’.
Não li, porém, e peço desculpas por eventual desatenção, a informação sobre um só hospital de universidade federal que tenha cerrado as portas. Fecharam alguns serviços, não os hospitais. A situação deles é grave, gravíssima, como demonstra o texto ‘Sem funcionários, hospitais federais ameaçam parar’.
Mas nenhum fechou, ao contrário do que se lê na capa.
Erramos de cifrões
A reportagem ‘Sem funcionários, hospitais de federais ameaçam parar’ (pág. C17 de domingo) afirma que a dívida do Hospital São Paulo é de R$ 170 milhões.
Quadro na mesma página informa que o valor é de R$ 130 milhões.
Em qual informação o leitor deve confiar?
Palavrão 1
O texto ‘Para diretores, falta atenção básica na rede’ (pág. C12 de domingo) fala em ‘baixa resolutividade dos hospitais’.
O que é isso?
Champanhe jornalístico
A reportagem ‘Champanhe na areia’ (pág. E2 de domingo), além de boa crônica social e de costumes, tem outro mérito: mostrou que o novo Fasano do Rio tem problemas demais para um hotel que cobra no mínimo R$ 945 de diária.
O contraste com o oba-oba pseudo-jornalístico em torno do novo empreendimento salta aos olhos. Enquanto os releases travestidos de reportagem deram o tom, o repórter Paulo Sampaio fez reportagem autêntica _e saborosa.
Para entender o Brasil
É imperdível a entrevista do técnico ucraniano Oleg Ostapenko, da seleção feminina de ginástica brasileira (pág. D7 de domingo). Ele não joga luz apenas sobre o esporte brasileiro, mas sobre o Brasil.
Não é detalhe
Diz chamada na primeira página de sábado que o Boeing da Gol se chocou contra o Legacy no ano passado.
A reportagem na pág. C9 confirma que o avião da Gol ‘colidiu com um jato Legacy’.
Em nome da precisão jornalística e histórica: foi o Legacy que se chocou contra o Boeing.
Erro de previsão
Pode ter sido uma boa tirada o título ‘De costas para o PT’, em texto-legenda da primeira página de sábado.
Como se viu no congresso do partido, no entanto, não foi o que ocorreu, embora a ausência de Lula na abertura tenha incentivado especulações. Manchete dominical: ‘Lula pede ao PT a defesa dos réus do mensalão’.
Poderia ser pior.
Título em duas linhas no alto de página interna do Estado no sábado: ‘Irritado, Lula avisa PT que não quer ato de desagravo aos mensaleiros’.
Manchete do Estado no domingo: ‘Lula pede apoio do PT aos réus do mensalão’.
Descalabro
A crítica diária de 30 de julho indagou se não seria Descalvado, e não Descalabro, como escrito, a cidade paulista citada em reportagem sobre mordomia a cavalos do Pan.
O Erramos só saiu hoje, mais de um mês depois.
Sem nota
A reportagem ‘Comando do Exército se reúne para discutir livro sobre a ditadura’ (pág. A6 da edição Nacional de sábado, concluída às 20h30) afirma que o Exército não divulgou nota a propósito do lançamento do livro ‘Direito à Memória e à Verdade’.
Divulgou, como se leu na edição São Paulo.
Erramos histórico
A nota ‘Culto à personalidade’ (pág. A12 de sábado) afirma que o seqüestro do embaixador dos EUA que rendeu a libertação de José Dirceu ocorreu nos ‘anos 70’.
Charles B. Elbrick foi seqüestrado no Rio na primeira semana de setembro de 1969.
Erramos ferroviário
A reportagem ‘Trem fazia ultrapassagem, afirma técnico’ (capa de Cotidiano de sábado) afirma que o trem de passageiros atingiu ‘o final do terceiro vagão’ da composição no qual bateu no acidente ferroviário de quinta-feira em Nova Iguaçu.
O quadro ‘o acidente com trens no Rio’ (pág. C4), contudo, ilustra o choque com o quarto vagão.
Qual a informação correta?
Seja rico, seja pobre
São dignas e comoventes as reportagens da Folha no fim de semana sobre o drama das famílias dos mortos no acidente na Baixada Fluminense. Contrasta com relatos nos quais, quando muito, as vítimas têm nomes. A dor da perda é igual para parentes de quem estava no Airbus da Tam e no trem da SuperVia.
O jornal faria bem se aplicasse a mesma disposição que na tragédia aeronáutica para apurar, entre outros itens: como é feita a manutenção dos trens; se após a privatização das ferrovias o transporte ficou mais ou menos seguro; o valor das indenizações pagas em acidentes anteriores.
Palavrão 2
A cobertura de sábado sobre a indenização à família de uma passageira da Gol no acidente de 2006 diz que a vítima era metrologista. Até em título a palavra aparece (‘Metrologista havia passado em concurso’, pág. C9).
Se era essa a profissão/ofício/função, tudo bem. Só que é preciso explicar. O leitor não é obrigado a conhecer a palavra.
Pirandello e jornalismo
Título na primeira página da Folha de hoje: ‘PT quer candidato próprio em 2010’.
Interno: ‘PT contraria Lula e quer ser cabeça de chapa em 2010’.
Na primeira do Estado: ‘PT negocia, mas insiste na candidatura própria’.
Interno: ‘PT defende candidato para 2010, mas admite negociar com coalizão’.
Primeira do Globo: ‘PT admite abrir mão de candidato próprio’.
Interno: ‘PT admite dar a vez’.
Erramos esportivo
Ao contrário do que informa a capa de Esporte de hoje, o jogador do Cruzeiro que aparece em fotografia é Marcelo Moreno, e não Maicossuel.
Lugar-comum
Abertura da reportagem ‘‘As ferragens sugavam as pessoas’, diz sobrevivente’ (pág. C4 da sexta-feira): ‘A cena do choque dos trens, terrível, ainda estava bem viva na lembrança do auxiliar de cozinha Edson Andrade […]’.
O jornal queria que a pessoa tivesse esquecido o que acabara de ver?
Essa fórmula cabe em reportagens e entrevistas com pessoas recordando o que testemunharam muito tempo antes. Mesmo nessas situações o bom gosto recomenda empregá-la com parcimônia.
Suíte na favela
A reportagem ‘Cada um na sua’, na revista Morar que circulou com a Folha de sexta em parte do país, noticia uma pesquisa de opinião feita por um núcleo da USP.
O levantamento mostra que, para 29% dos paulistanos, ‘a melhor opção [para reforçar a individualidade do casal] é manter banheiros individuais’; 21% defendem pias diferentes no mesmo banheiro; 14% querem quartos particulares para maridos e mulheres.
Não custava ter informado quantas pessoas foram entrevistadas e se elas representam uma síntese do conjunto da população ou apenas de uma faixa social.
O jornal deveria ter mais cuidado ao reproduzir informações oriundas de institutos de opinião ou assemelhados.
Dos males da memória
Frase de Clóvis Rossi na coluna de sábado: ‘A memória só é revanchista para quem tem consciência culpada’.
É isso aí.
Nossa razão de viver
Na fartura de artigos, reportagens e entrevistas dos dias recentes sobre a cobertura jornalística do julgamento do STF sobre o mensalão, recolhi o seguinte parágrafo da coluna de Janio de Freitas do domingo: ‘O poder, seja qual for a sua forma nas instituições, não é destinação do jornalismo, é objeto dele, é assunto. É para ser ouvido, fotografado, gravado, investigado, esmiuçado _e desvendado para que no conjunto social se formem a consciência de cidadania e suas manifestações’.
Quando entrar setembro
Leitores me chamam a atenção para o que consideram infelicidade da coluna do ombudsman de ontem, a referência à ‘opção’ pela homossexualidade.
Ensinam: não se trata de ‘opção’, de preferência, de caso pensado. Simplesmente as pessoas são de um jeito, de outro ou de outros.
Eles têm razão. Nunca tinha pensado nisso. Agradeço a lição.
Forfait
Participo amanhã à noite, no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, de debate sobre a crise do jornalismo impresso. Esta crítica volta a circular na quinta-feira.
Até lá.’