Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crítica diária

20/9/07

Atentado

São numerosos os indícios de que a tentativa de assassinar o jornalista Amaury Ribeiro Junior no começo da noite de ontem, em cidade a meia centena de quilômetros de Brasília, foi um atentado contra o jornalismo.

O título da Folha é péssimo: ‘Repórter é baleado ao trabalhar em Goiás’ (em quatro colunas, abaixo da dobra da pág. A12 na edição São Paulo). ‘Repórter é baleado ao investigar tráfico’ pode não ser grande coisa, mas seria melhor.

O texto afirma que o jornalista do Estado de Minas e do Correio Braziliense fazia uma série de reportagens ‘sobre a violência no entorno do Distrito Federal’. Ontem, ‘apurava uma reportagem sobre o tráfico de drogas’.

A Folha deveria contar aos seus leitores (a maioria esmagadora não mora em Brasília, onde as reportagens foram veiculadas) as informações principais do trabalho de Ribeiro Junior, um dos jornalistas mais premiados do país.

Nos Estados Unidos, há muitos anos, depois do assassinato de um repórter, meios de comunicação e jornalistas se uniram para completar sua apuração. Foi a melhor resposta aos que tentam impor freios, inclusive a tiro, à liberdade de informação.

Por sorte, o jornalista brasileiro escapou, embora tenha sido ferido. Não custaria nada dar prosseguimento à sua apuração e contar sozinho ou com outros veículos o que é a barbárie vigente no entorno de Brasília.

Essa atitude valeria mais que mil editoriais e notas de protesto _embora eles sejam necessários e bem-vindos.

SIC

O texto da Folha citado acima fala de certo ‘Diário dos Associados’.

O grupo de comunicação se chama ‘Diários Associados’.

É dando que se recebe: CPMF e PAC

A prorrogação da CPMF rendeu manchete na edição São Paulo: ‘Planalto aprova a CPMF em primeira votação na Câmara’.

O jornal fez bem ao destacar, no alto da pág. A6, que ‘Governo libera cargos para aprovar CPMF’. É o tradicional toma-lá-dá-cá de tantos governos, mantido com esmero por Lula. O Estado havia feito reportagem sobre o tema já ontem.

Não entendi, contudo, os títulos ‘Critério político define obras do PAC’ (primeira página) e ‘Critério político direciona verbas do PAC’ (capa de Dinheiro). Li e reli a reportagem. Nenhum partido é citado. Nenhuma impropriedade apontada. Qual é o critério político? ‘Negociação com Estados e municípios’? Pode até ser que seja isso mesmo, que os critérios políticos sejam determinantes, e a Folha deve estar atenta para identificá-los. Mas as informações de hoje não parecem sustentar os títulos.

Intimidade com o PPI

O que é o tal ‘PPI’ citado no texto principal da capa de Dinheiro?

O leitor não é obrigado a saber.

Fotografia

No tom do título do texto-legenda da primeira página, ‘Bons companheiros’, a foto de Lula e Renan publicada na capa do Estado é melhor.

Leitores da Folha

Curiosidade: a nota da assessoria do governador Aécio Neves sobre o caixa 2 tucano de 1998 afirma que a lista de beneficiados reproduzida em relatório da Polícia Federal contém os nomes de 130 candidatos.

Já no Erramos de hoje a Folha se corrige: informara que eram 130, mas são mais de 150.

Ou seja: a assessoria do presidenciável se baseou na Folha.

A passeio?

Sobre a reportagem ‘Tarso vai a Mônaco no sábado pedir a extradição de Cacciola’ (pág. A12): é possível saber se a presença de um ministro de Estado, e não apenas de diplomatas, pode ter alguma conseqüência benéfica ao esforço do governo brasileiro para repatriar Salvatore Cacciola? Em caso positivo, por que não deveria ir o ministro das Relações Exteriores?

Ou a viagem tem propósito mais de marquetagem? O que o jornal pode informar?

‘Não pra morrer de fome’

As colunas de Janio de Freitas (na nota ‘Indigentes’) e Vinicius Torres Freire (‘O que é um miserável?), em combinação com a reportagem de Pedro Soares ‘Metodologia faz número de pobres variar’ (pág. B6), compõem um painel interessante para discutir os critérios dos pesquisadores econômicos e sociais.

O jornal poderia ir além, aprofundando a discussão com mais especialistas e mostrando como vivem famílias no limiar das rendas estabelecidas por diversos pesquisadores para definir os limites da miséria e da pobreza.

Sem esquecer que uma renda determinada pode oferecer padrões de vida diferentes, a depender das regiões.

UOL

A reportagem ‘BrT veta novos assinantes do UOL na banda larga’ (pág. B9) tem três insuficiências.

Primeira: não informa quais são os nove Estados, além do DF, onde a Brasil Telecom atua e, portanto, estão prejudicados potenciais clientes do UOL (provedor do qual o Grupo Folha detém 42% das ações, como relata, com transparência, o texto). É informação de interesse do leitor.

Segunda: a Brasil Telecom afirma que ‘o UOL remunera a Telemar e a Telefônica na mesma base proposta por ela. ‘Isso coloca a autora [BrT] em total desvantagem frente às demais operadoras do país’, dizem os advogados da tele’.

Isso é verdade? A informação, que não consta da reportagem, é importante para que os leitores possam formar opinião.

Terceira: o que diz a decisão do Tribunal de Justiça do DF que cassou liminar de primeira instância que favorecia o UOL?

Barbeiragem subterrânea

É bom o caso revelado pela Folha ontem, sobre o vexame das empreiteiras que tocam obra do Metrô em São Paulo. Dois túneis, que deveriam se encontrar, estão desalinhados em 80 cm.

Analfabetos aeronáuticos

Na reportagem ‘Técnico vê erro de piloto em acidente da TAM’ (pág. C7), o relator da CPI do Apagão Aéreo na Câmara, Marco Maia, afirma: ‘Estou resistindo a essa possibilidade de erro humano. Não consigo conceber que o piloto não realizou uma manobra tão normal’.

Desculpe se já foi feito, mas sugiro um perfil sobre os conhecimentos a respeito de aeronáutica dos integrantes da CPI. Impressionam a leviandade e a ignorância com que se pronunciam.

Lei de Ricupero?

O texto ‘Zagueiro apóia tranco dado por Coelho em rival’ (pág. D2) conta que um jogador do Fluminense afirmou que ‘arregaçaria’ Kerlon, do Cruzeiro, que dá o ‘drible da foca’.

Acontece que Luiz Alberto, o zagueiro tricolor, recuou na tarde de ontem, quando divulgou nota. Por que a Folha não noticiou o recuo, e só o ataque?

‘Vale a pena ver de novo’

É esse o título bem-humorado da capa da Ilustrada, sobre o filme ‘Tropa de Elite’, que terá a primeira sessão oficial hoje depois de ser amplamente pirateado em DVD.

O diretor e os produtores do filme insistiram nas últimas semanas que o produto final seria bem diferente do clonado, versão supostamente inicial.

A Folha, no entanto, não esclarece se o filme do cinema é diferente do DVD pirateado. Por quê? É uma informação fundamental.

O Jornal do Brasil respondeu à curiosidade: ‘Exibição de ‘Tropa de Elite’ para a crítica comprova que filme é o mesmo da versão pirata, e diretor, que alardeou diferenças, diz agora que a obra ‘é para o cinema’’.

Sem transparência

Faltou uma informação na crítica ‘‘Tropa’ segue princípios do filme policial’ (pág. E4), em virtude de tudo o que ocorreu: o crítico da Folha assistiu à obra em exibição patrocinada pelos produtores em sala de cinema ou no DVD pirata?

19/9/07

O passo do New York Times

Para quem se interessa pelo presente e o futuro do jornalismo, a notícia mais importante do dia está no alto da pág. A12: ‘‘New York Times’ libera acesso on-line’.

Aos leitores que se cadastravam, gratuitamente, o jornal americano já abria boa parte do seu conteúdo. Com a nova política, passa a liberar os artigos de colunistas e parte dos arquivos que antes integravam um pacote especial pago.

(Ou seja: a boa nova também beneficia, com mais arquivos liberados, os que se interessam pelo passado.)

O raciocínio é o seguinte: o pacote pago rendia US$ 10 milhões por ano; sem ele, o tráfego de usuários/leitores aumentará exponencialmente; com a audiência maior, será possível cobrar mais pela publicidade.

Dificilmente as operações on-line dos diários de todo o mundo, inclusive no Brasil, escaparão desse caminho. Os jornais não perderão leitores. Somando as versões impressa e digital, devem ser mais lidos do que hoje.

Se o faturamento publicitário com o novo modelo de negócios se manterá, hoje é impossível dizer.

Primeira página

A notícia ‘Pobreza no Brasil diminui e atinge 27% da população’ merecia mais destaque do que o pé da capa. É muito mais importante, por exemplo, do que a chamada sobre a menina chinesa de três anos abandonada na Austrália, por mais comovente que seja a história (a diminuição da pobreza salva muitas vidas, inclusive de crianças).

Merecia menção no título (‘Jobim indicará economista para presidir a Anac’) e na chamada o fato de Solange Vieira ter dirigido secretaria no governo FHC. É informação relevante.

O jornal fez bem em destacar que ‘Funcionária do Senado trabalha na sede petista’. Como, na reportagem, o senador Tião Viana afirmou que a prática é de todos os partidos, valeria investigar.

As chances de Cacciola

Diz o título do alto da pág. A7: ‘Cacciola fica preso até decisão em Mônaco’.

Já a ‘lupa’ afirma que há chances ‘pequenas’ de ele ser solto, de acordo com a procuradora-geral de Mônaco.

No texto do enviado especial, ‘as possibilidades’ são ‘muito pequenas’.

O título dá como certeza o que por enquanto é a hipótese principal.

Vacas magras

Com todo o barulho em torno da prisão de Cacciola, só há sete jornalistas brasileiros em Mônaco para cobrir o caso.

Gênese do Mensalão

Algumas questões sobre o esquema que operou na campanha eleitoral de Minas em 1998.

Por que o jornal fala em ‘suposto esquema do valerioduto em Minas em 1998’ e não se refere ao ‘suposto Mensalão’? Parece claro que o caixa 2 existiu em 1998, assim como os repasses a partidos aliados do PT ocorreram no primeiro mandato de Lula.

Há informações que permitem se referir aos dois esquemas sem o emprego de subjuntivo.

As reportagens e notas da Folha alternam a expressão ‘valerioduto mineiro’ e ‘mensalão mineiro’. Não seria o caso de padronizar?

A reportagem ‘Relatório da PF indicia 36 por valerioduto de Minas’ (pág. A9) afirma que ‘há referências a 17 partidos e 130 nomes de políticos’. São, imagino, os que constam da edição desta semana da Isto É. Por que a Folha, que tem o relatório policial, não divulga os nomes?

O interesse em esvaziar a investigação sobre o esquema é de vários partidos e governos, como comentei aqui na segunda-feira.

O silêncio de Aécio

Que Aécio Neves venha mantendo silêncio sobre os (aqui sim) supostos R$ 110 mil que teriam pingado na sua campanha a deputado em 1998, aparentemente sem constar da sua prestação de contas, não surpreende.

Mas a Folha não deveria aceitar a postura do governador, repetindo protocolarmente que ‘até o fechamento desta edição’ ele não se manifestou.

Aécio dirige um dos Estados mais importantes do país e é presidenciável tucano.

Além de pedir declarações à assessoria, o jornal deveria acompanhar a agenda pública do governador e cobrar sua palavra sobre o escândalo.

A nota do Fed

Os leitores da Folha receberam hoje pelo menos duas versões da nota do Fed ( Banco Central dos EUA) sobre o corte de 0,5 ponto na taxa básica de juros.

Uma é a que tem trechos citados no texto da capa de Dinheiro, ‘EUA cortam juros em meio ponto, e Bolsas disparam’.

Outra é a tradução na pág. B4, ‘Leia a íntegra da nota do BC dos EUA’.

São muitíssimas e constrangedoras as diferenças.

A tradução ‘oficial’ do jornal e a da principal retranca da extensa cobertura deveriam coincidir. Mais do que uma questão de capricho, é de precisão.

‘Os’ analistas

A reportagem da capa de Dinheiro diz que ‘os analistas’ ‘esperavam diminuição de 0,25’.

Errado: a maioria dos analistas, sim. Todos, não, como se lê em vários outros textos da cobertura e foi especulado ainda ontem pelo colunista Vinicius Torres Freire.

Injetando liquidez

Sei que está claríssimo o que significa ‘injetar liquidez’, em trecho do texto da capa de Dinheiro: ‘Além do efeito psicológico de reforçar a confiança no mercado ao injetar liquidez no sistema, o Fed […]’.

Está claríssimo para os leitores que acompanham e têm intimidade com o noticiário econômico e financeiro.

Em dias como hoje, quando a manchete trata de economia, com uma notícia alardeada desde ontem na TV e na internet, a Folha deveria se preocupar em ser mais clara e didática para leitores não habituados com a terminologia do setor.

Trator governista

A leitura de duas reportagens sobre a CPI do Apagão Aéreo na Câmara e no Senado dá a impressão de que a base governista asfixiou a investigação, pelo menos sobre a corrupção na Infraero.

Os textos, ambos na pág. C3: ‘Relator da CPI do Apagão Aéreo diz que há elementos para indiciar Denise Abreu’ e ‘No Senado, governistas impedem quebra do sigilo de ex-presidente da Infraero’.

Depois de tanto jogo para a platéia no Congresso, o jornal deveria intensificar a atenção e o espaço dedicados à operação abafa em curso.

Leis que não pegam

Sobre comentário feito aqui ontem, reclamando da falta de padronização do nome do ministro Marco Aurélio (de) Mello, do STF: no dia 22 de fevereiro passado o Programa de Qualidade fez circular um comunicado informando que o nome do magistrado não contém o ‘de’.

Deve-se escrever, portanto, Marco Aurélio Mello.

18/9/07

Cacciola: contradições, demora e sugestão

Duas ou três coisas sobre a cobertura da prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola.

O quadro ‘Os réus do caso Marka e FonteCindam’ (pág. A6) diz que Cacciola foi condenado em primeira instância por ‘gestão fraudulenta e peculato’. Ontem, porém, o jornal informou que a condenação também ocorrera pelo crime de corrupção passiva (conferir em ‘Juiz decide hoje se mantém Cacciola preso’ e ‘Entenda o caso’, na pág. A8). Se houve condenação por corrupção passiva, o quadro de hoje está incompleto. Se não houve, é preciso corrigir a edição de ontem.

Contradição: o texto ‘Passo em falso’ (pág. A2) informa que o ex-banqueiro foi ‘o único condenado na nebulosa quebra dos bancos Marka e FonteCindam’. Já a retranca ‘Recurso deve ser julgado neste ano’ e o quadro ‘Os réus do caso Marka e FonteCindam’ (ambos na pág. A6) enumeram sete condenados, além de Cacciola. Qual a informação correta?

A Folha cobre hoje a prisão de Cacciola em Mônaco e as decisões da Justiça do principado em reportagem feita em São Paulo. Trata da vida do banqueiro em Roma também em texto produzido na Redação. O relato sobre decisão do governo da Itália teve origem em Brasília.

Enquanto isso, o Estado tem reportagens assinadas por repórteres em Montecarlo e Roma e o Globo conta com enviado especial a Montecarlo.

O jornal fez bem em registrar a palavra do ministro Marco Aurélio Mello (STF) sobre decisão sua de 2000 que resultou na fuga de Cacciola. (Às vezes a Folha grafa Marco Aurélio ‘de’ Mello, como hoje; às vezes suprime o ‘de’; padronização seria bem-vinda.) Sugiro ouvir Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan sobre a prisão e o escândalo que custou a condenação (passível de recurso) de Salvatore Cacciola e outros, inclusive um ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes.

De jatinho

É interessante a fotografia de Renan Calheiros, na primeira página, embarcando em um jatinho da FAB para Brasília. Provavelmente não há ilegalidade, mas é um escárnio o contribuinte bancar o transporte de políticos que poderiam muito bem viajar em vôos de carreira.

Leitores sem vez

Os leitores ditos comuns ocuparam hoje apenas 19% do Painel do Leitor. Em cinco edições, não teriam nem um PL inteiro para se manifestar.

Trata-se de um desrespeito com aqueles que fazem a fortuna de toda publicação bem-sucedida.

Maior jornal do país em circulação paga, a Folha é dos que menos espaço concedem aos leitores na seção de cartas. Hoje só dois (2!) leitores tiveram a chance de ser publicados. A mensagem do senador Eduardo Suplicy deveria estar em espaço de opinião, nota do Painel ou em reportagem de Brasil, com o conteúdo da carta editado em afirmações entre aspas. Sugestão de título: ‘Suplicy reafirma voto pela cassação’.

A do superintendente de imprensa do governo de Minas Gerais deveria ser veiculada também em Brasil. Sugestão de título: ‘Governo de MG defende ‘choque de gestão’’.

A do gerente de comunicação e marketing do Metrô de SP está igualmente em página imprópria. Seu lugar é em Cotidiano, com nota da Redação no pé, com a resposta do repórter. Sugestão de título: ‘Para Metrô, redução de assentos agiliza embarque’.

Chamo a atenção para o fato de que o Metrô foi procurado para o outro lado e negou-se a falar (faltou o repórter informar quando procurou a empresa, se foi em cima da hora). Um dos motivos é saber que a Folha abre um espaço que é (deveria ser) dos leitores para divulgação do outro lado.

Os leitores só têm o Painel do Leitor para falar. Personalidades, não. Como se vê hoje, quando Suplicy assina um artigo na pág. A3, bem ao lado da sua carta.

PMs em cana

Manchete do jornal: ‘52 PMs são presos, acusados de ligação com tráfico no RJ’.

Chamada: ‘[…] tiveram prisão decretada sob acusação […]’.

Título da capa de Cotidiano: ‘Presos 52 PMs acusados de proteger o tráfico’.

No lide: ‘[…]presos ontem, acusados de envolvimento […]’.

Mais à frente: ‘os PMs são acusados pela Polícia Civil […]’.

Segue: ‘Podem ser indiciados sob acusação’.

Com tantas ‘acusações’, o Ministério Público, que detém a prerrogativa legal de acusar, não é citado pela Folha.

Já a Polícia, cuja atribuição é de apontar suspeitos, foi promovida: passa a acusar. Está errado: ela aponta suspeitos. Alguém é indiciado sob suspeita de cometer algum crime ou denunciado sob acusação.

É evidente que o sentido de ‘acusar’ não deve se restringir ao da Justiça. Por isso a manchete não está errada.

O erro, além de informar incorretamente a função policial, é o jornal não relatar a situação legal dos presos. Afinal, eles foram denunciados (portanto, acusados) pelo Ministério Público Estadual? Essa é uma informação elementar que os leitores não receberam.

Pirlo engole Kaká

A reportagem principal de Esporte (‘Brasil põe mais de 100 atletas da elite da bola’, pág. D1) afirma que Kaká é ‘o virtual melhor do mundo deste ano’.

Já o quadro ‘A Copa dos Campeões 2007/2008’, na mesma página, diz que os destaques do Milan, clube de Kaká, são Nesta e Pirlo.

OK, eu entendi que o critério foi não citar brasileiros entre os ‘destaques’ das equipes. Na minha opinião, um erro: o jornal deixa de contextualizar o peso dos atletas do Brasil nos times europeus. Uma coisa é Kaká, o principal destaque do Milan. Outra, Fábio Aurélio, que está longe da importância de um Gerrard no Liverpool.

Armamento pesado

Ainda a edição dominical.

A boa reportagem ‘Tráfico usa arma desviada de Exércitos estrangeiros’ foi acompanhada, na pág. C4, do quadro ‘Modelos apreendidos’.

O quadro mostra uma pistola como sendo Sig-Sauer. Um iniciado me procurou para dizer que parece uma Glock. O peso da pistola, ‘4,4 kg’, seguramente está errado –ela pesaria mais que um fuzil AR-15.

Resposta ao ombudsman

Recebi dos jornalistas Patrícia Trudes da Veiga, editora de Suplementos, e José Augusto Amorim editor-assistente de Veículos, resposta, pela qual agradeço, a comentário meu na crítica de ontem.

A resposta:

O comportamento da equipe de Veículos da Folha nunca foi pautado por uma viagem ter sido feita a convite ou não. Mesmo quando somos convidados para o lançamento de um carro, isso não nos obriga a dar a capa do caderno para ele. Sempre nos sentimos muito confortáveis em publicar apenas o que é notícia.

Como bem citou o ombudsman, a notícia da edição de Frankfurt-2007 eram os carros ecologicamente corretos, ainda mais porque o evento acontece no maior produtor de carros potentes do mundo. E, ainda que haja coincidência de fotos, o texto da Folha é bem diferente. Na capa, ilustrada pela foto de um Mercedes-Benz (e de detalhes de diversos outros modelos, feitas por nós), o enviado especial entrevistou um representante do Greenpeace alemão. A foto do BMW que demos foi feita pelo enviado especial, e o texto era uma entrevista exclusiva. Ou seja, houve coincidência de fotos porque aqueles lançamentos eram a notícia. Mas a Folha teve um outro olhar.

Além disso, esclarecemos que o convite não foi feito pela BMW. A Anfavea representa as montadoras que têm fábrica no Brasil, o que não é o caso da BMW. Das fotos que demos, apenas a Mercedes-Benz, a Volkswagen e a Renault fizeram parte do ‘pool’ que convidou a imprensa. Cabe destacar que, quando não há convite e a Folha julga importante a cobertura de um evento, o jornal paga os custos. É o caso do Salão de Genebra. Nunca há convite, mas já faz três anos consecutivos que somos o único jornal que está lá para trazer informações importantes com um olhar que só a presença de um enviado especial permite. E que, assim como Frankfurt, Genebra também teve 3 altos de página sobre as novidades do salão. Havia notícia nos dois.

17/9/07

De carona

O Salão de Frankfurt foi o assunto dos cadernos dominicais Veículos, da Folha, e Autos, do Estado.

Os enfoques foram semelhantes. Na Folha, ‘Frankfurt ecológico’. No Estado, ‘Frankfurt de olho no consumo’ (um título interno: ‘Veículos ecologicamente corretos ditam as tendências de Frankfurt’).

A Folha publicou na capa do caderno fotografia do Mercedes-Benz F-700. O Estado, também.

A Folha editou em alto de página a fotografia de um BMW de endoidecer. Idem o Estado.

A Folha estampou a Ferrari F430, de endoidecer mais ainda. O Estado fez a mesma coisa.

Os dois jornais imprimiram a foto do Lamborguini Reventón, o automóvel mais caro exibido no evento (está cotado em 1 milhão de euros).

Em mais uma coincidência, os leitores dos diários viram a mesma fotografia, da agência Efe, do presidente da Renault posando ao lado do novo lançamento da empresa, o modelo Sandero.

O repórter da Folha ‘viajou a convite da Anfavea’. Os dois jornalistas do Estado viajaram ‘a convite de Anfavea e Delphi’.

Há relevância em cobrir o Salão de Frankfurt.

O jornalismo não deve ‘brigar com a notícia’. Portanto, não causa surpresa o destaque aos mesmos modelos e o mesmo tom nas reportagens.

O que incomoda é o fato de a viagem ser feita a convite. Será que, se a ida dos repórteres não fosse bancada por bolsos alheios, os jornais dariam o mesmo destaque ao evento na Alemanha? Os três altos de página na Folha e os dois no Estado se repetiriam sem a viagem ‘patrocinada’? Isso não configura influência do financiador da viagem na pauta e na edição dos jornais?

Por que a Folha, se a cobertura do Salão era importante (e era mesmo), não pagou as despesas do seu enviado?

Não tenho dúvidas de que um jornalista cuja viagem é paga pela empresa na qual trabalha se sente muito mais à vontade para exercer o jornalismo independente e crítico do que o que viaja ‘a convite’.

Lição de jornalismo

É um trabalho jornalístico de excelência a capa da Ilustrada de domingo, ‘Uma tarde com Yoko no Dakota’.

O repórter obteve uma entrevista exclusiva com a artista plástica Yoko Ono em torno do ‘gancho’ que é a retrospectiva que ela fará em novembro em São Paulo. A conversa (‘Ainda vivemos numa época de preconceito’, na pág E3), como ocorre de hábito com a entrevistada, é um tanto insípida, beira o aborrecido.

Não faltou a egotrip de costume: ‘Espero que ele [seu filho Sean] não sinta algo como ‘meu pai, minha mãe eram tão grandes, então eu sou apenas produto da influência deles’’. Ou seja, Yoko se iguala ao marido falecido, John Lennon. (Mesmo assim, um bate-papo exclusivo com ela é uma bola dentro.)

Acontece que Sérgio Dávila sabia que o mais interessante não era o pensamento da artista, mas a chance de conhecer o ambiente no qual ela viveu com o beatle. O correspondente observou com atenção e contou o que viu aos leitores. De quebra, deparou-se com oito Magrittes nas paredes.

Entrou no edifício Dakota para ouvir sobre o ‘processo criativo’ de Yoko Ono e saiu com uma excelente reportagem que não trata disso.

Os dois primeiros parágrafos são brilhantes.

Quem não leu não sabe o que perdeu.

Esse Pedro de Lara…

A Folha editou alguns anos atrás uma brochura com uma coletânea de Erramos. Foi um trabalho muito útil: a seleção classificou os erros, evidenciou em que editorias eles eram mais gritantes e permitiu, a quem se interessou, compreender um pouco mais sobre os procedimentos jornalísticos impróprios que geram informações equivocadas. A brochura também é, e seria hipocrisia omitir, garantia de risos, tal a infelicidade de certos enganos. A tragicomédia do jornalismo.

No sábado foi publicado o seguinte Erramos: ‘Diferentemente do informado no texto ‘Pedro de Lara morre aos 82 anos no Rio’, o corpo do radialista e comediante não foi cremado. Ele foi velado na Câmara Municipal e enterrado ontem no cemitério do Caju, no Rio’.

Eis o trecho da reportagem da edição Nacional da sexta-feira: ‘O corpo ficou no local [em casa] até as 19h, quando foi levado para a Câmara Municipal do Rio para ser velado. O corpo de Lara foi cremado ontem à noite na Câmara dos Vereadores do Rio. O velório na Câmara continua até hoje, às 14h, quando o corpo deve ser levado em carro aberto dos Bombeiros para o cemitério do Caju, na zona norte da cidade’.

Uma leitora de Belo Horizonte telefonou perguntando se o nonsense fora proposital, para combinar com o espírito do inesquecível jurado de televisão Pedro de Lara.

Promoção

A nota ‘Fatura 2’ de domingo (pág. A4) afirma que Paulo Octávio é governador do DF. Não seria vice?

Se for o governador em exercício, é preciso informar essa condição.

‘Sem-mídia’

A reportagem ‘Em São Paulo, protesto contra absolvição de Renan reúne 200’ (pág. A6 do domingo) contou no pé, em 15 linhas, que na véspera houve uma manifestação diante da sede da Folha. Promoveu-a o ‘Movimento dos Sem Mídia’.

Foi protocolado na portaria do jornal um manifesto ‘endossado por cerca de 190 pessoas’. Por que a reportagem não informou qual o conteúdo do manifesto?

Quem participa do movimento?

Havia faixas no ato, como na manifestação contra Renan? Se havia, o que diziam?

Em espaço noticioso, não cabe ao jornal ser contra ou a favor da mobilização, mas apenas reportar.

Os leitores precisam de informações para formar opinião.

Na reportagem de domingo, foi isso que faltou: informação.

Qual a origem do dinheiro?

A Folha trouxe no domingo uma boa cobertura sobre o aniversário de um ano do escândalo dos aloprados, bem superior à que o Estado fez no sábado. Destacam-se as entrevistas com Expedito Velloso e Hamilton Lacerda (embora este não tenha dado propriamente uma entrevista, mas apenas feito declarações).

O limite da reportagem, contudo, é evidente: o jornal não avançou na elucidação do mistério que persiste: qual a origem do dinheiro para comprar o dossiê contra os tucanos?

Sobrevive a pergunta.

Notícia contaminada

O texto de memória ‘Escândalo envolveu a cúpula do BC’ (pág. A19 de domingo, sobre Salvatore Cacciola, preso em Mônaco), embora no formato notícia/reportagem e sem assinatura, emitiu opinião: ‘Em janeiro de 1999, [Francisco] Lopes elevou o teto para a variação do dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32. Essa era a saída para evitar estragos piores à economia brasileira, fragilizada pela crise financeira da Rússia, que se espalhou pelo mundo a partir do final de 1998’.

Era mesmo a saída? Isso era o que dizia o governo FHC. Havia posições divergentes. Não cabe emitir opinião em espaço noticioso.

De longe

Ainda hoje a cobertura da Folha sobre a prisão de Cacciola em Mônaco foi feita de Brasília.

Dito e feito

Da Veja, sobre os votos pró-Renan Calheiros: ‘Um senador da oposição, que zelou como se fosse um xerife pela aprovação do processo de cassação, procurou o presidente do Congresso e lhe confidenciou que sua posição não passava de um teatro para seus eleitores. Ele estava agradecido pelo belo emprego no governo que Renan arrumou para um de seus filhos’.

Da coluna Mônica Bergamo de hoje: ‘O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) pediu a um casal amigo de SP que comprasse presentes finos para dar às mulheres de três senadores que, no escurinho da sessão secreta, votaram para que ele não fosse cassado. Na lista estão dois senadores de SP e um do Piauí’.

Sugestão de pauta: perguntar ao senador Romeu Tuma se ele insiste em afirmar o voto pela cassação de Renan ou, como o colega Mercadante, deu uma forcinha ao presidente do Senado.

Mensalão Mineiro

A ‘Isto É’ publicou alentada reportagem sobre o caixa 2 na eleição de 1998 em Minas Gerais, com destaque para a campanha de Eduardo Azeredo, na gênese do Valerioduto.

Por motivos óbvios, o tema é delicado para o PSDB.

O esquema teria tido a participação do hoje ministro Mares Guia.

Portanto, o tema também é delicado para o governo Lula.

O então candidato Aécio Neves também teria sido beneficiado.

O tema é igualmente delicado para o atual governador mineiro e presidenciável tucano, um político praticamente à margem da fiscalização do poder que é função do jornalismo.

As planilhas indicam repasse maior ao PT que ao PSDB. Seriam mais de 30 os petistas favorecidos.

Ou seja, o tema é delicado para o PT.

A coluna Toda Mídia informa hoje (pág. A10) que no sábado o site Consultor Jurídico veiculou a íntegra do relatório da PF sobre o Mensalão Mineiro.

A Folha deveria ter publicado reportagem sobre o assunto, mas não publicou.

À Gil Passarelli

É ótima a fotografia da primeira página do sábado, mostrando policiais militares batendo de cassetete em pessoas (manifestantes?) que estavam no Centro Universitário Fundação Santo André. As imagens da ação covarde publicadas em Cotidiano também são impressionantes. Lembram Gil Passarelli e seus flagrantes na Maria Antônia.

Vale-tudo

A confusão espacial entre anúncios e material jornalístico aumenta, e alguns novos formatos da publicidade dificultam a leitura.

No sábado, o jornal publicou um anúncio de tatames dentro de uma fotografia (jornalística) de Rogério Ceni. Ficou estranhíssimo.

‘A velhice é um massacre’

É de alto nível a entrevista de sábado na Ilustrada com o escritor Philip Roth.

Jornalismo

Da coluna de hoje de Fernando de Barros e Silva: ‘O submundo do governismo busca transformar Renan em mártir da soberania popular contra o golpismo da mídia ou símbolo de resistência à tirania dos meios de comunicação. A isso chegou parte da tropa lulista. Gente degradada, de alma turva e ideais rebaixados. Seria melhor se a derrota fosse da mídia’.

Resposta ao ombudsman

Em atenção aos comentários do ombudsman, seguem alguns esclarecimentos:

1) A reportagem ‘Nestlé pede, e Kassab reduz carne em sopa’ em nenhum momento afirmou ou deu a entender que a solicitação da Nestlé foi feita ‘às escondidas’. Pelo contrário, está explícito já no segundo parágrafo do texto que se trata de pedido feito em ‘consulta pública’: ‘A gestão Gilberto Kassab (DEM) diminuiu a quantidade de carne, frango e verdura exigida na sopa depois de um apelo feito pela multinacional durante uma consulta pública para a compra do produto’;

2) Conforme determina legislação municipal para as licitações acima de R$ 12 milhões, as informações sobre as consultas públicas são disponibilizadas na internet, nas seções específicas de cada processo de licitação em andamento. A informação não foi considerada representativa porque aquilo que está na internet não é explícito e didático para um leigo, mas voltado para ‘iniciados’, para pessoas diretamente interessadas em cada concorrência. A disponibilidade de uma informação na internet, em seções específicas para ‘iniciados’, não pode ser considerada, por si só, prova de transparência;na composição das sopas listadas pela prefeitura

3) Todos os pedidos da Nestlé de alteração na composição das sopas listadas pela prefeitura foram aceitos: redução de carne, redução de cenoura, redução de outras hortaliças, redução de frango e inclusão de pimenta. A única sugestão da multinacional não atendida foi para que a prefeitura também comprasse uma outra variedade de sopa, com feijão.

4) A Secretaria Municipal de Gestão foi insistentemente procurada no dia anterior, a partir das 12h23, tanto por e-mail como por telefone. A decisão da prefeitura de não se manifestar não foi por questão de tempo, conforme admitiu sua assessoria de imprensa. Como consta da reportagem, ela informou que não iria se manifestar porque dizia adotar como hábito não falar nem dar esclarecimentos de caso sob contestação do TCM;

5) Sobre a reportagem de anteontem (‘Merendeiras dizem receber prêmio para racionar comida em escolas’), os fatos são os que seguem: a Folha esteve na terça-feira (04/09) nas unidades da zona leste onde foram apontados os principais problemas na merenda escolar, procurou diretores, funcionários das terceirizadas, pais, mães e alunos. A prefeitura, na ocasião, não autorizou que a reportagem visitasse as escolas nem que conversasse com os servidores. Dois dias depois, na quinta-feira (06/09), a reportagem teve autorização para visitar escolas escolhidas a partir de uma lista fornecida pela Secretaria Municipal de Gestão, sob a condição de que a reportagem fosse acompanhada de uma funcionária da prefeitura. Foram visitados dois lugares (que a prefeitura considera ser quatro unidades), onde a reportagem não identificou problemas aparentes. Pela reação dos funcionários das escolas, a sensação do repórter que fez a visita era de que eles tinham sido avisados com antecedência.

Alencar Izidoro e José Ernesto Credendio

Comentário do ombudsman

Reitero a impressão de que são boas as duas reportagens em questão.

Agradeço a resposta e a comento:

1) Pena que os leitores não tenham sido informados que a ‘consulta pública’ ocorre na internet, com acesso sem restrições. Os leitores não são obrigados a conhecer a legislação sobre licitações. O procedimento pode não ser prova de transparência. Mas, se existe, deve ser noticiado. Cabe aos leitores julgar se há ou não transparência. Para isso, precisam de informações.

2) Se uma sugestão não foi atendida, não se pode dizer que ‘todos os pedidos da Nestlé’ foram aceitos.

3) Pena que os leitores não tenham sido informados sobre o horário em que a Folha tentou obter o outro lado. Os leitores não são adivinhos.

4) Pena que os leitores não tenham sido informados que a Folha visitou algumas escolas e notou que funcionários haviam sido avisados. Dúvida: se os funcionários não forem avisados, como a Folha poderá entrar nas escolas? Seja como for, o jornal visitou escolas e não contou aos leitores o que viu.’