Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crônica de uma tragédia anunciada

O desfecho do caso ocorrido em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, que culminou com uma jovem morta e outra gravemente ferida a bala, continua a repercutir na imprensa. Especialistas são chamados a opinar sobre a condução das negociações pela polícia, e até mesmo programas de entretenimento da televisão ingressam na seara do jornalismo para engrossar o coro da confusão geral.


Observa-se um esforço generalizado para poupar a polícia paulista de responsabilidades, e um cuidado ainda maior em evitar que essas responsabilidades subam na escala de comando.


Apesar de o próprio desfecho trágico denunciar, com pouca margem de dúvida, que o caso foi mal conduzido o tempo todo, a imprensa tende a relativizar o fato de que nenhuma das estratégias adotadas pelos negociadores teve sucesso depois do segundo dia. Além disso, a entrevista do comandante do Batalhão de Choque de São Paulo, coronel Felix de Oliveira, na qual o militar defendeu a atitude de deixar uma das vítimas retornar ao local do cativeiro, foi mais um bate-papo amigável do que um questionamento real por parte dos jornalistas.


Os repórteres parecem ter ficado impressionados pela declaração do coronel Oliveira, de que colocaria o próprio filho em situação de risco, ao explicar por que havia permitido que a jovem Nayara Vieira, amiga dos principais envolvidos na crise, voltasse ao apartamento.


Ora, a questão central é exatamente essa: a autoridade policial não pode colocar ninguém deliberadamente sob risco, mesmo que seja seu filho, e a declaração do coronel não pode ser recebida como outra coisa que não uma bravata.


Explosivo plástico


Outra questão é a descrição clara dos fatos.


Embora muitos jornalistas presentes tenham declarado que não foram ouvidos tiros antes da explosão que abriu a porta do apartamento, as duas revistas semanais de informação mais vendidas compram a história da polícia e não colocam em dúvida a versão oficial.


Na segunda-feira (20/10), os jornais observam que algum ruído eventualmente ouvido antes da explosão pode ter sido provocado pelo detonador do explosivo plástico usado pela polícia.


Mas, de todas as perguntas que ainda não foram feitas, uma em especial fica saltando à frente dos leitores: se, em vez de se desenrolar num bairro da periferia da região metropolitana, o caso tivesse acontecido num condomínio de classe média, as trapalhadas teriam sido as mesmas?


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A campanha na reta final


A disputa pelas prefeituras nos municípios onde vai haver segundo turno entra na reta final, após os debates de domingo (19/10) à noite. E mais uma vez, o confronto municipal acaba refletindo as disputas partidárias que se desenrolam em Brasília e os temas das cidades ficam para segundo plano.


O Globo de domingo faz um apanhado geral da campanha no Rio e em São Paulo e constata que o noticiário, que reflete um misto entre o interesse do público e as preferências dos editores, revela um ambiente mais conservador na disputa deste ano. Até aqui, observa o jornal carioca, faltam idéias aos candidatos, enquanto preconceitos e estereótipos tomam a frente da mensagem eleitoral.


Em São Paulo, o Estado de S.Paulo e a Folha costumam comparar afirmações dos candidatos com os dados reais, e mais de uma vez os números anunciados em campanha são desmentidos pela simples consultas a órgãos públicos ou aos arquivos dos jornais. Mas essas questões não têm sido levadas de volta aos candidatos, que continuam a dizer o que querem na sua propaganda e nos debates.


Além disso, as campanhas enveredam para temas da política nacional, e começa a se esvair o tempo necessário para que os eleitores conheçam eventuais propostas para os graves problemas que dificultam a vida nas nossas grandes cidades.


Propaganda obrigatória


Desta vez, pelo menos o eleitor não está sendo enganado por idéias mirabolantes, como alguns delírios tecnológicos que marcaram disputas anteriores, mas impressiona os observadores o fato de que nenhum dos candidatos parece capaz de apresentar propostas inovadoras para as grandes questões que incomodam o cidadão.


Vença quem vencer, até aqui quem perde é a cidade, com mais uma eleição em que os problemas reais perdem para invenções de marqueteiros.


A imprensa pouco pode fazer diante da propaganda obrigatória, mas questionar os políticos sobre as grandes carências apontadas pelas pesquisas seria mais útil aos eleitores do que continuar a descrever passeatas e carreatas, os tapinhas nos ombros e os cafezinhos tomados pelos candidatos.