Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cuba e a imprensa de oposição

Como bem disseram Mendoza, Montaner e Llosa, Cuba é realmente um amor que não se esquece e nem se deixa. Um amor, contudo, cultivado em grande parte por pessoas que não estão na ilha e não vivem a realidade de uma ditadura que vigora há 50 anos. É possível que se trate de um mito romântico: a imagem de alguns barbudos descendo a serra e tomando o poder num país então governado por um ditador, digamos assim, de direita, cativou o coração de muita gente. Atualmente, porém, as coisas não parecem ser lá muito agradáveis. Cuba é efetivamente uma ditadura em que vigoram restrições severas às liberdades de expressão, políticas e de imprensa. A alegação de que o país, com a ajuda da extinta URSS, melhorou alguns índices sociais internos, simplesmente não justifica as restrições.

Dito isto, chega a ser interessante um texto da jornalista Elaine Tavares publicado neste Observatório no dia 16/06/2009 (ver ‘A longa trajetória de um jornalismo crítico‘). A jornalista aborda a existência de um suposto jornalismo crítico praticado em Cuba. Para sustentar sua visão, ela reproduz falas de Tubal Paez, presidente da União de Periodistas do país: ‘Em Cuba, os jornalistas são críticos porque é nossa função ser crítico. É o que nos ensinou a revolução, é o que ensinam na escola e é o que a União dos Jornalistas exige. Defendemos a revolução, mas aquilo que é mal feito, nós criticamos.’ Querendo mostrar que também há massa crítica no ato de avaliar os próprios colegas de imprensa, Paez diz que ‘ser protagonista do processo revolucionário é bom, mas às vezes há jornalistas que exageram na retórica ou no louvor’.

Uma impressão de pluralidade

A pergunta que Elaine Tavares e Tubal Paez não respondem, e que surgiria com naturalidade em qualquer conversa sobre a imprensa em Cuba, é se há jornalismo de oposição legitimamente cubano que não comungue dos ideais da revolução e atue com liberdade. Poderia, por exemplo, um veículo com ideais claramente ‘reacionários’ fincar sede em Havana?

De fato, o texto até tenta responder a algo um pouco relacionado à pergunta, mas que falha na questão central. Primeiro, Elaine Tavares afirma que ‘Cuba é o país onde existe o maior número de veículos de oposição’. Para termos uma idéia, continua ela, ‘existem 32 emissoras de rádio transmitindo todos os dias desde a Flórida, sempre com conteúdo especificamente contra Cuba e contra o socialismo’. Além disso, prossegue, ‘há uma emissora de TV, cinicamente chamada de TV Martí (nome do mais importante revolucionário cubano, também jornalista) que transmite diariamente conteúdo anti-Cuba com um sinal que é gerado por aviões que sobrevoam a ilha’. A gloriosa conclusão vem de Paez: ‘São, portanto, mais de 1.900 horas semanais de informação anti-governo, o que nos faz crer que não há governo no mundo que tenha tanta oposição.’

Conclui-se, assim, que há oposição em Cuba e o país é um exemplo de pluralidade de idéias, certo? Não necessariamente. Com base nas falas, tanto da jornalista brasileira como do jornalista cubano, é possível concluir que a imprensa de oposição ao regime comunista é feita majoritariamente de fora da ilha. A questão fundamental de saber se há imprensa de oposição fundada e registrada no território de Cuba por cidadãos cubanos fica sem resposta. Talvez uma abordagem mais conscienciosa da questão indicasse que os irmãos Castro não permitem a criação de uma imprensa verdadeiramente de oposição dentro do país. Assim, parece que Elaine Tavares substitui o papel dessa imprensa inexistente pelas que atuam fora do país e transmitem para dentro ou até mesmo por jornalistas designados pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. E isso daria uma impressão de pluralidade de idéias.

Por que bloquear o blog?

Um pouco mais adiante, Elaine nos oferece outra tentativa. ‘Estão em Havana mais de 160 jornalistas que são correspondentes estrangeiros, podendo transmitir o que quiserem, sem qualquer censura.’ Um correspondente estrangeiro geralmente faz matérias para o veículo que está em seu país de origem. E mesmo que essa informação seja verdadeira, ela ainda nada diz sobre a questão fundamental já citada.

Também é interessante a abordagem do acesso à internet dentro da ilha. Segundo Paez, as restrições existem ‘porque os Estados Unidos proíbem que os cabos de banda larga sejam conectados a Cuba’. Curiosa, a tese. Partindo do consenso de que os Estados Unidos são contrários ao regime cubano, que arma seria mais eficaz aos interesses americanos do que o livre acesso do povo à internet? E mesmo se isso for verdade, um problema ainda fica de pé. Já que o governo castrista nada tem contra o acesso dos cubanos à internet, por que bloquear o blog da jornalista Yoani Sánchez? Há, por acaso, algo que não pode ser lido?

Tratando cidadãos como crianças

Aliás, é curioso ver uma jornalista brasileira tecendo loas a um regime em que não vive na carne com o rigor e o desgaste do dia após dia. Quando se lê o blog de Yoani Sánchez, que realmente mora em Cuba e vive a realidade do país, tem-se uma impressão completamente diferente. Yoani relata as dificuldades, a burocracia, a censura e as restrições que sofre na ilha. Algumas das dificuldades são maximizadas justamente por ela ser uma jornalista que bate de frente com o regime dos irmãos Castro. Sobre o acesso à internet, a versão de Yoani é bem diferente do que sustenta o texto de Elaine Tavares. Yoani disse, em entrevista à revista Época, que ‘nenhum cubano pode contratar um serviço de internet doméstico, só altos funcionários do governo e estrangeiros’. Ainda segundo ela, uma pessoa comum que queira acessar a rede precisa ir a locais públicos, como cafés e hotéis. ‘E o custo é o equivalente a um terço de um salário médio em Cuba – estou falando de US$ 6 a US$ 8 por hora.’

Yoani Sánchez viria ao Brasil para lançar o livro De Cuba, Com Carinho, que reúne alguns textos de seu blog. O regime, entretanto, não autorizou a visita da jornalista. ‘Os cidadãos cubanos são como crianças, que precisam da autorização do papai para sair de casa’, afirmou à rádio CBN. De fato, um regime que trata seus cidadãos como crianças – por vezes com chineladas – provavelmente não aceitaria o estabelecimento de imprensa de oposição livre.

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Estudante de Filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG