Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cuidado ao atravessar a rua

Ao atravessarmos a rua, todo cuidado é pouco. É preciso olhar o sinal (ou farol, ou semáforo), aguardar os veículos pararem e seguir pela faixa de pedestres até seu objetivo: o outro lado da rua. Uma tarefa simples, cotidiana, crucial para seguirmos em vida. Agora imagine que, enquanto você está no meio da rua, alguém grite o seu nome. Você não sabe de onde vem a voz, tampouco quem está falando. Informações fundamentais para você decidir o que fazer. Continua atravessando? Ignora a voz? Dependendo de quem for, você presta atenção e pode voltar à calçada. Ou atravessar mais rápido. Enfim, saber quem fala e de onde fala é que dá credibilidade à informação, permitindo assim que você tome a melhor decisão para seguir em vida.

Penso que os cidadãos brasileiros estão na mesma situação diante da imprensa atual. Muito se tem gritado daqui e dali, vozes elevadas querendo ostentar moral ou indignação, denúncias, pizzas de novo, culpados, absolvidos, interesses permeando a atmosfera. Você pode concluir que sempre foi assim e que, dependendo das conveniências e do nível de ‘rabo preso’, não muda muita coisa. Ainda assim, quero lembrar um exemplo que considero significativo na história recente da imprensa brasileira. Em 2002, a revista CartaCapital declarou abertamente o voto em Lula, e por meio de seus editoriais e artigos apoiava o candidato do PT. Enquanto isso, continuava cobrindo a campanha, como todos os veículos de comunicação.

Considero que a postura da revista foi a mais honesta, uma vez que nos ajudou a ‘atravessar a rua’, e ajuda até hoje. Quando lemos em suas páginas matérias sobre o governo federal e demais acontecimentos da atual cena política, sabemos qual a posição do veículo sobre seus sujeitos e objetos de análise e cobertura. Sabemos quem fala o que, e de onde está falando. Isso se chama transparência.

Apuração aberta

Por outro lado, os principais jornais e emissoras do país teimam em nos dizer que são ‘imparciais’ e ‘isentos’, e que buscam o equilíbrio na hora de cobrir os acontecimentos. Diante do que temos presenciado nas páginas de jornais e blocos de TV, isso se chama estelionato. E com a audiência do cidadão brasileiro, o seu bem mais precioso (a credibilidade é o bem mais precioso, mas não sei se tais veículos ainda se preocupam com isso).

Como distinguir as versões elaboradas dos fatos, uma vez que ninguém admite de onde está falando? E ainda flertam dia após dia com as aspas, aproveitando as falas de políticos daqui e dali, uma vez que os próprios veículos não têm coragem de assumir o DNA do que transmitem. Talvez por estarem com tanto ‘rabo preso’ quanto aqueles que denunciam…

Seria muito mais benéfico para a democracia e para o Estado brasileiro se a imprensa compartilhasse com seu público uma informação tão importante quanto seus ‘furos’: o lugar de onde se emite a mensagem. Isso daria mais elementos ao cidadão para decidir não somente seu voto, como também tantas outras decisões importantes para sua autonomia pessoal e conscientização nacional. Assim como desejamos dos parlamentares o voto aberto nas sessões, queremos a ‘apuração aberta’ da imprensa no que diz respeito às intenções de suas pautas. Ou só eu preciso de um jornalismo responsável?

******

Jornalista formado pela UFF-RJ (www.lessa27.blogspot.com)