O título escolhido pelo jornal O Globo para a reportagem sobre a volta momentânea do otimismo ao mercado financeiro resume bem o que tem sido a economia globalizada nas últimas semanas. Mas também revela bastante o que tem sido o trabalho da imprensa, que acompanha quase minuto a minuto o comportamento dos investidores e outros agentes econômicos.
A impressão que se tem é que, assim como os operadores do mercado financeiro, as redações estão obcecadas por não perder nenhum detalhe dos acontecimentos.
Os operadores do mercado estão de olho nas oportunidades para recuperar seus ganhos. Os jornalistas estão atentos aos riscos de perder informações.
Mas, pelo comportamento irracional do mercado, que num mesmo dia bate recordes negativos e positivos, não parece que o acesso à informação pulverizada pelos meios online esteja proporcionando o conhecimento real do que está acontecendo.
Mesmo alguns analistas mais entusiasmados com os credos chamados neoliberais andam desconfiados de que o mundo está sem referências, e que as reações positivas ou negativas estão fora de controle.
Problemas crônicos
Seria injusto e incorreto afirmar que a imprensa tem responsabilidade no comportamento insano dos mercados, mas nunca é demais lembrar o papel dos meios de comunicação em situações de risco social – o de contribuir para a manutenção da racionalidade geral.
O acompanhamento passo a passo das oscilações do valor das ações e das moedas é uma ferramenta essencial para a gestão financeira, mas não é o elemento mais importante para o entendimento da natureza da crise e para a elaboração de estratégias de longo prazo.
Tanto empresas como governos e o cidadão comum que está preocupado com sua poupança precisam de mais do que informação. Neste momento, em que as próprias instituições parecem incapazes de apontar um rumo, talvez a imprensa pudesse investir em análises de prazo mais longo e oferecer uma visão ampla do estado do mundo. Por exemplo, recolocar sobre a mesa os temas que estavam em debate antes da eclosão da crise, como a questão da sustentabilidade do sistema econômico – e das sociedades humanas – no longo prazo.
Um dos riscos que corremos com soluções de emergência é o agravamento dos problemas crônicos que a crise faz esquecer.
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A vida pessoal do candidato
Foi unânime a condenação à manobra dos chefes de campanha da candidata Marta Suplicy, que colocaram no ar questionamentos sobre a vida privada do prefeito Gilberto Kassab, candidato à reeleição.
A pergunta levada ao ar se referia à falta de informações públicas sobre se o prefeito é casado, se tem filhos, mas a questão real que pretendia – e conseguiu levantar – se refere à opção sexual do cidadão Kassab. E ao dar repercussão à manobra de mau gosto dos marqueteiros, a imprensa acaba por ampliar as controvérsias sobre um tema de foro íntimo que nada tem a ver com política ou administração pública.
Da mesma forma como explorou o fim do casamento da ex-prefeita com o senador Eduardo Suplicy, a imprensa não resiste a especular sobre a vida íntima do atual prefeito. Ao invés disso, a imprensa poderia ajudar o eleitor a entender quem são e como têm atuado os políticos em disputa nas atuais eleições.
Não apenas em São Paulo, mas em todas as capitais, o confronto eleitoral deste ano apenas antecipa as disputas pela presidência da República e pelo governo dos estados, marcadas para 2010.
Seria útil para os leitores conhecer as carreiras de cada um, suas alianças e suas idéias. Mas a cobertura ainda se enche de frases mais ou menos planejadas pelos marqueteiros, e a atividade dos repórteres se resume praticamente a acompanhar os passeios diários dos candidatos pelas cidades.
Código impreciso
O episódio mostra como todos os seminários e reuniões de planejamento que os jornais e revistas promovem antes de campanhas eleitorais podem ser descartados quando uma história maliciosa anima os jornalistas.
Se os leitores conhecessem o nível das anedotas que correm entre os computadores das redações, talvez antecipassem o uso menos nobre que se dá aos jornais depois da leitura.
As escolhas dos marqueteiros são movidas pela disputa e não obedecem a um código de ética muito preciso, mas as escolhas editoriais precisam levar em conta o fato de que a vida segue depois das eleições.