Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Da queda do império Murdoch às lendas urbanas de São Paulo

Esta é, nunca me canso de repetir, a grande conquista da internet: a interação entre emissores e receptores de informações. Aqui todo mundo lê e escreve, participa do jogo, tem direito de reclamar e pode ajudar a encontrar soluções.

Um dos fiéis comentaristas deste Balaio, o Pardalzinho, por exemplo, enviou-me mensagem às 20h42 de segunda-feira fazendo uma cobrança, cheio de razão, sobre um assunto que deixei passar batido:

“Desculpe, Kotscho. Mas você vai fingir-se de morto em relação ao escândalo londrino que joga o jornalismo (e não só o de lá) no esgoto? (…) O jornalismo está sob altíssima suspeita de faltar com sua missão, ou seja, informar. Lula está certíssimo ao bater sem dó em uma imprensa que é tão ou mais ordinária do que a londrina. Estamos cansados de pagar para ficar desinformados. Basta!”

A bronca do Pardalzinho se refere ao Caso Murdoch e ao post que escrevi aqui no sábado com críticas sobre os ataques de Lula à imprensa. Como o dele, os mais de 50 comentários publicados até agora sobre o assunto discordam do blogueiro e dão razão a Lula.

Vamos então ao escândalo das escutas telefônicas utilizadas pelo jornal News of the World, uma das jóias do império de Rudolf Murdoch, que agora está ameaçando derrubar até o primeiro-ministro da Inglaterra, o conservador David Cameron.

Acho estranha a forma como até ontem a imprensa nativa estava tratando este caso, como se fosse uma aberração do jornalismo sensacionalista dos tabloides ingleses, um problema de polícia, e não o mais grave sintoma das consequências da “concentração de propriedade de meios de comunicação em poucas mãos”, como constata com sabedoria meu amigo Clóvis Rossi, em sua coluna na página A12 da Folha desta terça-feira, 19, sob o título “Murdoch ou quando ‘Deus’ fica nu”.
Com o canhão da tiragem de 2,7 milhões de exemplares do News of the World e a propriedade cruzada de meios de comunicação na Inglaterra, nos Estados Unidos e no mundo, Murdoch achou-se mesmo um Deus, capaz de fazer e derrubar governos, e meter medo em todo mundo, como já cansamos de ver por aqui.

Para se ter idéia do poderio deste australiano de várias nacionalidades, o seu canal de notícias Fox, nos Estados Unidos, dedica-se simplesmente a derrubar o presidente Barack Obama, atacando-o desde o dia da sua posse, com um batalhão de comentaristas de extrema direta que lembram muito alguns blogueiros tupiniquins.

Escândalo nacional

Parece a repentina queda do império soviético feito um castelo de cartas: de uma hora para outra, com Murdoch a nu e tendo que prestar contas ao Parlamento britânico, junto com seu filho James, administrador do grupo na Europa, a família corre o risco de perder o controle da empresa.

Virou um escândalo nacional, não apenas mais um escândalo de imprensa, como aqueles que os veículos de Murdoch faziam para faturar cada vez mais. O primeiro-ministro David Cameron teve que antecipar a volta de uma viagem à África para dar explicações ainda hoje aos parlamentares, que suspenderam as férias de verão, sinalizando a gravidade do caso.
Motivo: Cameron levou para a sua campanha, e depois para o cargo de secretário de Comunicação do governo, o jornalista Andy Coulson, ex-editor do jornal, que já foi preso e solto sob fiança, em janeiro, quando foi demitido. Rebeckah Brooks, outra ex-editora do News of the World, também foi detida esta semana e solta em seguida.

Caíram até Paul Stephenson, chefe da Scotland Yard, e o número dois da polícia britânica, John Yates, que contrataram como consultor outro ex-editor do jornal, Neil Wallis, ambos suspeitos de conivência com o esquema do jornal. Com Murdoch, o poder político e o poder da mídia andavam de mãos entrelaçadas pelas gravações clandestinas.

Estas gravações foram por muitos anos a matéria prima do jornalismo de denúncias praticado por Rudolf Murdoch, sempre em defesa, é claro, “da honestidade dos homens públicos, da moral dos governos e dos bons costumes”.

Controle familiar

Nada que seja muita novidade para os brasileiros, assim como também não o é a concentração dos veículos de comunicação nas mãos de meia dúzia de três ou quatro famílias, que controlam 90% da informação que circula no país.

É este “controle familiar da mídia”, a exemplo do que vimos no Caso Murdoch, que alimenta as lendas urbanas e as conversas de táxi, os piores preconceitos e as campanhas políticas conservadoras, o ódio contra os pobres e os nordestinos.

Boatos e mentiras sobre o ex-presidente Lula e sua família, que circulavam nos táxis e nas altas rodas desde os anos 1970, estão de volta com toda a força na tentativa de destruir a sua imagem e afastá-lo da presidente Dilma Rousseff.

Outro leitor do Balaio, o Everaldo dos Alencares, mandou um comentário à 00h26 de hoje, indignado com o que ele chama de “máfia mundial da informação”.

“No Brasil, tem seu endereço em bairros chiques e tradicionais de São Paulo, sede da TEP (Tradicional Elite Paulistana), ‘entidade’ que tanto mal fez à nossa nação”.

Por coincidência, moro num destes bairros, e dei o azar de cruzar, na noite de segunda-feira, com um dos legítimos representantes dos quatrocentões decadentes, esta gente bronzeada que não perde a pose e enche a boca para falar bobagens que um motorista de táxi teria vergonha de reproduzir.

Os leitores têm sempre razão. Se não concordarem comigo, podem mandar bala.