Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Dados, estatísticas e políticas de segurança

Com referência ao conteúdo da matéria “Ministro da Justiça propõe pacto de segurança à oposição” (Exame.com, 19/05/2011), talvez seja oportuno aduzir alguns dados e informações de natureza histórica sobre o tema. O primeiro deles é o de que existe um “sistema nacional de estatísticas de segurança pública com a participação de todas as unidades federativas” (cuja criação é supostamente proposta pelo atual titular da pasta). Tal sistema foi estabelecido na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça, desde alguns anos (ao tempo do governo Lula), já podendo inclusive ser acessado pelo público.

Uma segunda informação que também parece pertinente ao tema da matéria diz respeito a outra afirmação atribuída ao ministro da Justiça: “As experiências positivas de alguns estados nos ajudarão a desenvolver um plano que, antes de tudo, será republicano e sem natureza partidária ou política.” Assim como em relação ao sistema de estatísticas, também já existe um instrumento nacional de política de segurança pública do governo federal – “Programa Nacional de Segurança com Cidadania” (Pronasci). O programa foi instituído no transcurso da administração federal passada. Dele derivam várias iniciativas já tomadas no setor pelos entes federativos. Elas são de cunho essencialmente preventivo, contemplando em seu escopo a chamada “prevenção primária”. Pouco ou nada existe nele, é verdade, em relação ao protagonismo do poder público em relação ao enfrentamento proativo do crime e da violência.

“Difusão de responsabilidade”

Ainda segundo o titular da pasta da Justiça, “o mapa da violência usado pelo governo está defasado em três anos, e o sistema integrado ajudaria na atualização”. O sistema nacional de estatísticas sobre segurança pública, ainda que defasado em três anos, mostra que existe integração (unificação) de dados e informações entre o governo federal e os entes federativos. Talvez seja necessário hipertrofiar os recursos atualmente alocados para tanto, já que o trabalho que vem sendo desenvolvido de produção de estatísticas descritivas e respectivas sínteses é de qualidade, utilizado e referido, inclusive no meio acadêmico, enquanto fonte primária, desde algum tempo.

Outro aspecto das declarações atribuídas ao ministro de Justiça é a questão do chamado “mapa da violência”. Na matéria é atribuída a ele a afirmação de que “muitos dos dados têm origem no SUS (Sistema Único de Saúde). Só que eu preciso de dados que informem, por exemplo, se houve ou não dolosidade (intenção de cometer o crime). E isso o SUS não vai ter”. De fato, o SUS tem a “capacidade única” de informar oficialmente sobre mortes, incluindo mortes violentas por causas externas, aí alcançadas as produzidas por armas de fogo. As polícias, por sua vez, registram e podem informar sobre o atendimento, apuração (e flagrantes) de supostos homicídios, já que cabe apenas ao Poder Judiciário a determinação definitiva de tal delito. O problema dos registros, por tudo isso, é algo complexo.

O questionamento sobre a fragilidade dos registros, dados e informações sobre o crime, criminosos e questões conexas é recorrente no país. Mais do que um problema dos entes federativos, ele é uma questão de “cultura interinstitucional da segurança pública”. Parece não existir ainda uma verdadeira política de integração entre os órgãos que atuam sistemicamente na segurança pública do país, nomeadamente, polícia ostensiva, Polícia Judiciária, Ministério Público, Poder Judiciário e autoridade prisional. Nigel Rodley, ainda no início da década de 2000, num relato acerca da tortura e violações de direitos humanos no Brasil, apontava a inexistência de registros sistêmicos unificados sobre um mesmo indivíduo, mas sim, de múltiplos sistemas de registros incidindo sobre o mesmo indivíduo no cometimento de um mesmo delito. Isso facilitaria uma “difusão de responsabilidade”, situação que seria favorável a desmandos e maus feitos.

Sistema de registros

Ao que parece pelo conteúdo da matéria, é buscada uma qualidade de registros que está muito longe de ser obtida. Para tanto, seria necessário integrar a própria cultura da atividade-fim de segurança pública de pelos menos cinco níveis do sistema de justiça criminal do país (acima nomeados), incluindo mais de uma centena de instituições ao longo dos 27 entes federativos e governo federal.

Mas a questão dos dados, estatísticas e políticas públicas de segurança pública pode ter outros encaminhamentos… Vale notar que os norte-americanos desenvolveram seu sistema de registros de crime, para fins de políticas públicas, com base na atividade e registros de natureza policial, ainda na década de 1920. O feito é extraordinário, considerando o fato de que aquele país conta hoje com mais de 17 mil instituições policiais locais, estaduais, autônomas e federais. Além disso, a legislação penal não tem origem federal, como no Brasil.

O detalhe que possibilita a estabilidade das estatísticas criminais norte-americanas talvez esteja na relativa simplicidade do sistema utilizado, o “Uniform Crime Report” (UCR) [Relatório Uniforme do Crime], originalmente composto por apenas sete “crimes violentos” em uma de suas duas partes, talvez a principal delas. O UCR é administrado pelo Bureau Federal de Investigação (Federal Bureau of Investigation – FBI), órgão do Ministério da Justiça dos EUA. O UCR teve (em sua origem), e continua tendo, significativa participação dos profissionais do setor, representados pela Associação de Chefes de Polícia do país. É digno de nota que o sistema norte-americano esteja implementado e em pleno funcionamento há mais de 80 anos. A cada ano é feita ampla difusão do relatório conclusivo do UCR em relação ao ano anterior (e quinquênio correspondente), com ele sendo objeto de intensa cobertura pela mídia, gerando políticas presentes e futuras para o setor e avaliações da situação passada. Talvez o sistema norte-americano deva ser objeto de alguma atenção pelos responsáveis por algo semelhante, mas ainda por ser consolidado no Brasil.