Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dalai lama mudo no JN

Na sexta-feira 29 de abril, o Jornal Nacional concedeu alguns minutos ao bate-papo entre o dalai lama [Tenzin Giatso, de 70 anos] e alguns acadêmicos. Segundo o JN, o público que ouvia a palestra-bate-papo era basicamente formado por pessoas em busca de um modo de viver com mais qualidade. Simplificou-se o público, a velha teoria do Homer Simpson. Entra a fala de um religioso budista, editada na tampa, para confirmar a necessidade da busca por tranqüilidade interior. É uma competência nata do JN deixar os Homers cada vez mais ‘simplificadsons’.

Já estava irritando a ausência da voz do próprio dalai lama e as opiniões de outros espectadores quando o telespectador foi contemplado com a fala dos acadêmicos, vários deles, que explicaram por alto, assim de orelhada, os buracos da saúde tecnocrática ocidental em relação a uma outra visão possível, que supostamente o lama estava ali para dar. Que lindo presenciar a interpretação crítica da nossa visão ocidental sobre os benefícios da visão oriental, que afinal não foi passada nem por alto. É uma espécie de autorismo explícito, ou como diz frei Betto em A mosca azul, um democracismo. É uma notícia fingida, um faz-de-conta necessário para acalmar os ânimos, algo parecido com o que fazem aquelas pessoas especializadas em especializar licenças ambientais.

Irritação dominada diante da micropausa com a imagem do dalai lama, mas a voz dele não chega aos ouvidos dos telespectadores definitivamente. Nem com muita concentração dava para escutar a voz do lama sob a do jornalista que narrava detalhes a respeito do evento. Na piadinha final, que não pode faltar, adivinhem quem ficou de otário?

Desculpa esfarrapada

Uma pergunta idiota ficou sem resposta do lama, que foi mostrado coçando a cabeça diante da questão. Encerra-se a matéria com uma conclusão dita com todas as letras: ‘O dalai lama não tem respostas para todas as questões’. Encerra-se a matéria e os Homers Simplificadsons só ficam com uma única certeza inerte, a de que não adianta buscar outros caminhos, já temos a resposta única. É ruim, mas é queijo, é ruim, mas é queijo…

A matéria, penúltima da edição, tinha todo o talento necessário para ser a matéria-pipoca, a do encerramento mas, surpreendentemente, não foi. O JN, depois de anos de campanha anti-humanista, resolveu encerrar com os benefícios do parto normal. A pulga instalou-se atrás da orelha, ô pulga psicótica. Será um método para cooptar contracorrentes e aumentar o índice de audiência? Algo a ser pesquisado, mas não antes de assistir à visão do Jornal da Cultura sobre a divulgação do budismo no Brasil.

Heródoto Barbeiro e a repórter Laila Azulay foram na carne da questão, numa reportagem honesta que provou antes de mais nada que a desculpa de que a televisão deve ser um meio de manter a ignorância do telespectador é para lá de esfarrapada. Explicaram, como se pode explicar com os limites desse meio de comunicação, o nascimento do budismo, sua história e sua filosofia, em extrema sintonia com um outro mundo possível: o não-abordado, o mal-abordado, o distorcido em prol do mercado.

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Jornalista