Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De mulher para mulher

A imprensa, as entidades de defesa das mulheres e as eleitoras brasileiras ficaram sabendo – durante o julgamento do senador Renan Calheiros – como deve agir a mulher de um político em momentos de crise: mantida longe da imprensa a maior parte da vida pública de seu marido, na hora da crise ela entra em cena, de preferência agindo como se o casamento fosse uma maravilha e defende o marido com unhas e dentes. Foi o que fez a sra. Verônica Calheiros na semana passada, ao passar os dias, às vésperas da votação do Senado, ligando para as esposas de outros senadores, pedindo que usassem sua influência junto aos maridos para conseguir a manutenção de Renan no cargo. O episódio foi contado pelo jornal O Estado de S. Paulo (15/09/2007) na matéria ‘Mulher atuou pela absolvição’:

‘O presidente do Senado, Renan Calheiros, e a mulher, Verônica, montaram uma base e, juntos, dispararam telefonemas para senadores e mulheres dos parlamentares às vésperas da sessão do julgamento da cassação do peemedebista. Verônica, segundo relato de fontes que presenciaram as ligações, utilizou o mote `de mulher para mulher´ e pediu : `Eu, que sou a esposa, já o perdoei. Ele não merece ser cassado´.’

Aliada aos telefonemas de Dona Verônica, uma peça final da defesa foi enviada aos colegas do senador: a defesa escrita por seu advogado, mostrando Renan Calheiros como vítima. Vítima da paixão por uma mulher inescrupulosa e manipuladora.

As mordomias do cargo

No embate entre a esposa dedicada – que perdoou e por isso queria o perdão dos outros – e a amante ardilosa, venceu a argumentação da esposa, que fez de conta que o que estava em julgamento era o fato do seu marido ter tido um caso amoroso fora do casamento, o que não seria razão para a acusação de falta de decoro parlamentar. Dona Verônica preferiu ignorar o fato de que o processo se devia à acusação de que o senador estava pagando a pensão para a ex-namorada com dinheiro alheio, dinheiro de uma empresa que tem interesse em merecer favores de um político eleito pelo povo para um dos mais altos cargos do país.

A atitude de Dona Verônica não é a novidade, nem exclusividade de brasileira. Hillary Clinton, quando foi divulgado o escândalo de Bill Clinton com a estagiária Monica, fez a mesma coisa. Mas, em sua defesa, Hillary pode alegar que estava agindo em causa própria. Saiu da história com a simpatia do povo norte-americano, já tinha uma carreira política e hoje disputa nada menos do que a Presidência dos Estados Unidos. Se eleita, volta para a Casa Branca levando o marido a tiracolo como ‘primeiro esposo’.

Se Dona Verônica não tem planos políticos, se ela nem se abala com o fato do marido ter tido um caso amoroso e uma filha – que reconheceu publicamente – fora do casamento, se é capaz de perdoar tudo que o marido faz, das duas uma: ou ela é uma mulher superior, ou está mais interessada nas mordomias que o cargo do marido oferece, como uma bela casa no bairro mais valorizado de Brasília, passagens áreas para onde quiser, carro com motorista para se locomover na capital, sem falar no poder que sobra para ela, pelo fato de ser a esposa de um dos mais influentes cargos da nação.

Uma história sem mocinho

Qualquer que seja o caso, a atitude de Dona Verônica e de outras mulheres de políticos (aqueles que absolveram Renan) merece um bom estudo de especialistas e divulgação na mídia. É importante que os eleitores brasileiros – especialmente as mulheres – saibam que papel têm as esposas na vida dos homens públicos, quando elas não têm cargo mas usufruem das mordomias resultantes. Essas mulheres – e seu comportamento público – ainda são um mistério para todos nós. As outras, como a jornalista Mônica Veloso, acabam sendo mais estudadas. A jornalista – com sua pensão paga em dinheiro vivo por um lobista – acabou sendo conhecida pelo público, com direito à celebridade e fotos eróticas.

A verdade, que a mídia não mostrou, é que as duas mulheres da crise Renan foram usadas – ou se deixaram usar – no processo. A jornalista, porque acabou – depois de ter jurado que jamais o faria – posando nua para uma revista masculina. E a esposa porque resolveu defender o marido – ou o status obtido por ele – usando sua imagem de mulher-companheira. A esposa continua – pelo menos temporariamente – ao lado de um poderoso. E a amante deve continuar, indefinidamente, recebendo uma bela pensão, mesmo que paga com dinheiro do próprio senador.

Se alguém, além da sociedade brasileira, saiu lesada, foi a imagem da mulher, já que se trata de uma história em que ninguém é mocinho, ninguém agiu de boa fé. Nem mesmo personagens secundárias, como a esposa e a outra.

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Jornalista