Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

De quem foi a culpa?

O episódio de Santo André, quando duas meninas foram seqüestradas pelo ex-namorado de uma delas, emociona a todos nós. A desastrada operação de resgate indigna a muitos.


A PM paulista proporcionou cenas que se assemelham à comédia de cinema mudo. A diferença é que as cenas eram reais e envolviam três crianças de três famílias de gente simples, que assistiam impotentes ao desenrolar das tentativas de solucionar o problema. Durante longos quatro dias os telejornais (à exceção, justiça se faça, da TV pública – TV Brasil) estavam tomados pelo espetáculo. Dia e noite, se não havia novidade, repetiam mais do mesmo.


Deu tudo errado. E agora, a quem culpar? A tonteria do resgate foi seguida pela da mídia, que não sabia como explicar o desfecho. Em São Paulo, a mídia dá um tratamento desproporcional às tragédias e às fofocas, de acordo com seus interesses e simpatias. Não pratica o bom jornalismo. Há quem tente explicar, como o jornalista Mauro Carrara, que em artigo publicado no domingo (19), no blog Viomundo, de Luiz Carlos Azenha, afirma que o governador José Serra dá ordens nas redações, pauta e demite.


Enquanto o coronel Felix de Oliveira, comandante da operação, tentava justificar a ação de seus homens à mídia, Serra posava de dedicado e preocupado na ação anticrise da ‘sua’ mídia, fato que provocou rumores e revolta no interior dos quartéis.


Execração pública


O governador é o maior responsável por toda essa tragédia. Ele deveria estar sentado ao lado do coronel Felix, que corajosamene conversava com a mídia. Vejamos:


** O governo erra ao não dar condições dignas de trabalho para as polícias civil e militar.


** A polícia é do estado. O comandante supremo, governadpr José Serra, deveria ter averiguado as providências em curso. Ele deveria estar em linha direta, acompanhando passo a passo aquela ação que se tornara espetáculo por ação da mídia ‘oficial’.


** A operação foi mal conduzida durante todo o tempo, decorrente do despreparo dos policiais, ocorrendo até mesmo infrações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


** O rapaz, ao sentir-se acuado no ato da invasão da PM ao apartamento, teve chance de atirar duas vezes em Eloá. Um atendimento psicológico especializado (não se trata apenas de diploma em psicologia, mas ainda de especialização) poderia ter orientado tudo com profissionalismo.


A mídia sabe de tudo isso, mas não é a solução o que interessa. Carrara, em seu artigo, lembra ainda (e recomenda a quem não conhece) o maravilhoso filme de Billy Wilder, um clássico, pioneiro na crítica à espetacularização da mídia: A Montanha dos Sete Abutres. A história se passa em uma cidadezinha do interior, nos EUA. Um jornalista decadente vê no drama de um mineiro parcialmente soterrado uma chance de ganhar dinheiro e fama. Ele constrói uma aparência de estar ali para ajudar e mobilizar salvamento, mas por trás tenta prolongar ao máximo o salvamento, iludindo o mineiro e sua família. O mineiro não resiste e morre.


A mídia agora prolonga o espetáculo a chamar os velhos especialistas de sempre. Para explicar a trajetória dos tiros, saber se houve um tiro antes da invasão (sabe que não houve), saber se o garoto deveria ter sido assassinado antes de matar a seqüestrada, saber se houve falhas na operação. Age assim porque acredita que seus leitores e espectadores são desprovidos de crítica.


A mídia não critica a mídia, que não critica Serra, que prioriza sua imagem a todo custo. O governador que em nenhum momento foi em busca de profissionais especializados, pouco se importando com a vida daquelas crianças; que paga mal a polícia civil e militar e que trata com autoritarismo suas reivindicações. É o mesmo que corre a posar para os flashes, com ar consternado. É o mesmo que corre a expor os policiais sob seu comando à execração pública.


Há muitos erros e muitas vítimas. E um culpado maior: o governo do estado de São Paulo.

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Jornalista, Brasília, DF