O assassinato de jornalistas tem marcado a história recente do país. A morte de Vladimir Herzog, nos porões do regime militar, levou os brasileiros a perder o medo de protestar e sair às ruas até derrotar a ditadura. Anos depois a nação se indignou com a imolação de Tim Lopes, vítima de traficantes como “Elias Maluco”, que faziam do terror a arma para dominar os morros cariocas.
Desde segunda-feira (10/2) o país vive nova comoção, em decorrência do covarde assassinato do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade. Os três episódios tem um traço em comum: voltaram-se contra a liberdade de imprensa, um dos pilares da democracia.
Apesar da perda irreparável para o jornalismo e da dor de seus familiares, os sacrifícios de Vladmir Herzog e Tim Lopes não caíram na vala comum do esquecimento.
De uma forma ou de outra, eles permanecem vivos na memória dos brasileiros, pela contribuição que deram para uma imprensa pluralista, investigativa e desatrelada do Estado.
E Santiago Andrade, “terá ido em vão”, como teme Arlita, sua mulher e companheira por 30 anos?
Minoria benevolente
A depender do comportamento que tem tido os meios de comunicação e seus profissionais, a resposta é não. Desde as grandes manifestações de junho de 2013, a imprensa traçou uma rota e dela não se afastou.
Denunciou abusos da polícia contra manifestantes, mas criticou sua omissão, quando assistiu passivamente a depredação do patrimônio público ou privado.
E soube separar o joio do trigo. Mostrou que a ampla maioria dos manifestantes agia pacificamente, enquanto a depredação do patrimônio público e privado partia de uma minoria de manifestantes, os black blocs.
Esta postura independente e investigativa dos meios de comunicação não é do agrado de uma minoria truculenta, para quem a imprensa e seus profissionais estão a serviço da “burguesia”.
No seu já histórico editorial sobre a morte de Santiago, o Jornal Nacional da TV Globo deixou uma pergunta no ar: os black blocs apelam à violência apenas por irracionalidade? Difícil crer.
Há entre eles a concepção, tosca, é verdade, de que seus métodos são uma resposta à “violência policial praticada contra pretos e pobres da periferia”.
E estarão sozinhos nesta mentira? Infelizmente não. Uma parte minoritária de nossa intelectualidade, e da esquerda, é benevolente, para dizer o mínimo, em relação à truculência do movimento dos mascarados. Ainda há quem sonhe com uma “ruptura revolucionária”, da qual os black blocs seriam parte fundamental.
Letra da lei
O povo brasileiro, desde a luta contra o regime militar, fez uma opção radical pela via pacífica. Já vivemos anos de chumbo e sabemos para onde nos leva a violência, venha de onde vier. O Estado de Direito Democrático não comporta episódios como o do assassinato de Santiago.
Enfrentar a barbárie dos black blocs é uma questão suprapartidária. Do desfecho desta batalha, depende o futuro da democracia. A imprensa vem pagando um preço alto para cumprir com o seu dever.
O momento é para estadistas. O mais alto poder da República tem que se colocar à altura das exigências dos acontecimentos. A prioridade não é a reeleição de ninguém. É a manutenção do Estado de Direito Democrático.
É o cumprimento do que determina a Constituição: garantir a livre manifestação e punir com rigor todo e qualquer ato que atente contra a vida, contra o direito de ir e vir dos brasileiros ou contra o patrimônio. Público e privado.
Só assim Santiago continuará vivo no coração do nosso povo, como continuam Vladimir Herzog e Tim Lopes.
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Hubert Alquéres é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro e membro do Conselho Estadual de Educação; foi presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (2003-2011)