Os jornais vinham acompanhando sem muito empenho os debates e a votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre as novas regras eleitorais, por meio das quais os parlamentares tentam pela primeira vez regulamentar o uso da internet em campanha política. Longe dos olhos da opinião pública, os deputados haviam enfiado no projeto de reforma uma série de medidas que, na prática, tentam equiparar a internet ao rádio e à televisão, que têm o conteúdo monitorado durante o período da campanha.
Do jeito que chegou ao Senado, a proposta aprovada na Câmara proibia, por exemplo, a divulgação de charges e comentários em sites e blogs durante os três meses da campanha – que começa oficialmente no dia 5 de julho do ano que vem.
Os relatores das comissões do Senado, Marco Maciel e Eduardo Azeredo, deixaram passar a tentativa de controle, sob os olhares pouco interessados da chamada grande imprensa. Somente no final da quarta-feira (2/9), depois que o assunto já provocava muita indignação de internautas e de alguns juristas, os senadores começaram a se manifestar contra a proposta e a decisão acabou sendo adiada para a semana seguinte.
Livre de controles
Durante os debates, ficou muito claro que Maciel e Azeredo andaram tomando decisões sobre assunto que desconhecem. O senador do PSDB, por exemplo, chegou a declarar que o YouTube deveria seguir as mesmas regras da televisão. Só não explicou como a Justiça Eleitoral iria proibir alguém de montar um site no exterior e postar vídeos a favor ou contra determinado candidato.
No meio dos debates, quando finalmente o tema começou a agitar o Senado e atrair maior atenção dos sites jornalísticos, foi divulgado o resumo do julgamento da Lei de Imprensa no Supremo Tribunal Federal. No texto, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, deixa claro que a internet deve ser considerada ‘território virtual livremente veiculador de idéias, debate, notícia e tudo mais que se contenha no conceito essencial da plenitude da informação jornalística’.
O processo de impor restrições à internet foi interrompido. Mas o assunto está longe de ser encerrado e o Congresso Nacional andou beirando o ridículo.
O Brasil tem quase 70 milhões de usuários de internet, e os brasileiros são os mais ativos nas chamadas redes sociais virtuais. Assim, é natural que políticos conservadores, habituados a controlar seus currais eleitorais, temam os resultados de uma eleição na qual as escolhas não ficarão restritas à influência do rádio e da televisão.
Lembre-se o leitor(a) atento(a) que muitos parlamentares são donos de concessões de rádio e TV, e que a imprensa tradicional nunca colocou esse tema em debate público; tem sido cúmplice dessa ilegalidade.
Quando o desenvolvimento tecnológico coloca à disposição da sociedade um meio amplo, livre de controles, os parlamentares tentam inventar uma forma de restringir seu uso. Sob o olhar distraído da imprensa.
Candidatos a censores
Os candidatos a controladores da internet seguem ativos no Congresso, mas na quinta-feira (3/9), pela primeira vez, os jornais dedicam à mini-reforma eleitoral um espaço adequado. O tema deve ir à votação no começo da semana que vem, e não se pode adivinhar o que vai sair da cabeça dos legisladores, mas alguns ensaios de liberalização já começaram a aparecer.
Uma das propostas consiste em agilizar o direito de resposta, que teria de ser garantido no prazo máximo de 48 horas após a inserção de conteúdo considerado ofensivo a algum candidato. Além disso, a correção poderá ficar no ar por pelo menos o dobro do tempo em que ficou exposto o conteúdo ofensivo.
A proposta aprovada na quarta-feira (2) pelas comissões de Constituição e Justiça e de Ciência e Tecnologia do Senado é um primor de conservadorismo e uma clara demonstração de que os integrantes dos dois comitês caminharam ao largo dos direitos essenciais de acesso à informação.
Além disso, pelas declarações com as quais tentaram se justificar, fica claro que além de não serem muito entusiasmados com o livre debate de idéias, também estão muito longe de entender o que são os novos meios de comunicação em rede.
Mas o que mais chama atenção do observador é o fato de que os chamados grandes jornais demonstram surpresa com os pareceres aprovados nas duas comissões.
A solução encontrada para remediar a situação foi tentar aprovar uma emenda no plenário revogando os itens que representam censura aos meios online. Mas nada garante que não acabe passando um monstrengo sem sentido. Ainda corremos o risco de ter uma lei que tentará submeter a controle aquilo que nasceu para ser livre.