‘Boicote, cicerone, mecenas, onanismo. Por trás destas palavras estão nomes de personagens célebres, como o orador romano Cícero, o estadista Mecenas, que protegeu e financiou escritores como Horácio e Virgílio, a figura bíblica de Onã, que ejaculava no chão para não engravidar a cunhada, e Charles Cunningham Boycott, que administrava as propriedades do conde de Erne, na Irlanda, quando se recusou a seguir a recomendação do nacionalista e estadista irlandês Charles Stewart Parnell, interessado na promoção dos sem-terra irlandeses.
O segundo Charles queria que os camponeses não mais trabalhassem para os proprietários ingleses até que fosse modificada a Liga Agrária, promulgada pelo Parlamento Britânico.
O primeiro Charles foi, então, alvo de represálias silenciosas: ninguém lhe dirigia mais a palavra, o comércio lhe fechava as portas, suas cartas eram interceptadas e ninguém aceitava trabalhar sob suas ordens. Pressionado, Boycott voltou à Inglaterra e trocou de lado, integrando-se à luta dos irlandeses.
A estratégia usada contra ele recebeu seu nome e boicote passou a significar represália. Parnell, acusado de adultério e de ter sido o autor intelectual de algumas mortes, casou-se com a mulher com quem pecava, Katherine O’Shea, mas negou ter alguma coisa a ver com as mortes. Seu acusador, o jornalista Richard Pigott, reconheceu que havia forjado a denúncia e suicidou-se em Madri. E boicote passou a designar o ato de recusa para constranger ou punir alguém.
Já Marco Túlio Cícero, político medíocre, vivia virando a casaca e morreu assassinado. Foi sua fama de bom orador que serviu para denominar os guias turísticos, habitualmente bem falantes.
Cícero é famoso por várias obras, entre as quais as Catilinárias, conjunto de discursos que pronunciou no senado contra o colega Lúcio Sérgio Catilina, a quem denunciou como conspirador, levando à execução de seus cúmplices.
O mecenas original designava o cavaleiro romano cujo nome completo era Caius Cilnius Mecenas. Conselheiro de Otaviano Augusto, utilizou sua influência junto ao imperador para incentivar escritores e artistas, especialmente seus amigos Horácio, Virgílio e Propércio. Seu nome tornou-se sinônimo de protetor das artes e das letras em várias línguas, incluindo o português. Além de levar o erário a inverter grandes quantias na produção cultural, Mecenas despendia seus próprios recursos em tais apoios.
Onan, personagem bíblico, foi inventor do primeiro método contraceptivo. De acordo com os costumes hebreus, foi obrigado a desposar a viúva Tamar, sua cunhada. Não querendo engravidá-la, jogava o sêmen sobre a terra, praticando o onanismo avant la lettre, que depois serviu para designar masturbação. Jeová, o grande durão, aplicou pena de morte a Onan. Foi o único em milhares de anos a ser sacrificado por tal motivo.
Já a palavra moeda, veio do latim Moneta. O dinheiro dos antigos romanos recebeu tal denominação porque, sendo originalmente de metal, era cunhado no templo da deusa Juno Moneta, assim chamada porque eles acreditavam terem sido admoestados por ela. Admoestar em latim é monere, depois transformado em admonestare no latim vulgar.
Por fim, o primeiro mentor era grego. Trata-se do ancião amigo de Ulisses na Odisséia, poema épico da autoria de Homero. Contra a opinião da maioria, Mentor aconselha Penépole a recusar seus devassos pretendentes e aguardar a volta do marido.
Mais tarde, a deusa Atena toma a forma do ancião para dar seus conselhos a Telêmaco, filho de Odisseu, nome grego de Ulisses. A partir do século XIX, o vocábulo, já escrito com inicial minúscula, tornou-se sinônimo de conselheiro.’
MÍDIA & DEMOCRACIA
Marco Aurélio Weissheimer
‘Cassen alerta para ilusões na relação com a mídia’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 11/02/04
‘Há alguns anos, o movimento altermundista passou a questionar o sistema midiático enquanto componente central da globalização neoliberal. Esta dimensão esteve pouco presente na primeira edição do Fórum Social Mundial, realizada em 2001, em Porto Alegre, adquirindo crescente importância nos anos seguintes. Embora presente hoje como um dos eixos centrais dos debates do FSM, o tema da mídia ainda ressente-se de uma formulação mais qualificada. O painel sobre ‘Mídia, democracia e guerra’, que abriu os debates do Encontro Internacional pela Paz e Contra a Guerra nesta quinta-feira (dia 12) evidenciou esse limite e deixou um claro desafio. Reconhecendo tais limites, o diretor do jornal Le Monde Diplomatique, Bernard Cassen, fez uma pergunta crucial e provocadora, em tom de desafio: por que a crítica ao sistema midiático teve um atraso em relação à crítica da globalização neoliberal?
A resposta de Cassen pode ferir alguns ouvidos mais suscetíveis. Na avaliação do jornalista francês, uma parcela importante de atores desse movimento, especialmente representantes de organizações não-governamentais e sindicatos, procura evitar críticas diretas à atuação da mídia por acreditar precisar dela. Cassen restringiu esse diagnóstico à França, mas a riqueza da provocação justifica sua extensão também para outros territórios geográficos e institucionais, abrangendo as forças políticas de esquerda em geral. Segundo o jornalista, alguns dirigentes dessas organizações que querem construir ‘um outro mundo possível’ mantêm relações privilegiadas com jornalistas da grande mídia, desenvolvendo uma espécie de conivência.
Essas pessoas, acrescentou, temem realmente perder espaço na mídia. ‘Tudo isso é ridículo e demonstra uma grande ignorância sobre como funciona a mídia’, disparou. E não parou por aí: ‘a mídia não fala de nós para nos agradar, fala na medida em que somos um tema da atualidade que ajuda a vender jornal, que dá audiência. E isso é válido tanto para os jornais de direita, quanto para os de esquerda’.
A reflexão proposta por Cassen, dirigida ao interior do movimento crítico da globalização neoliberal (e da esquerda em geral), sugere que, mesmo que o tema da mídia tenha sido incorporado à agenda do FSM, parte de seus atores políticos ainda não reconheceu dois vínculos fundamentais. O primeiro deles é que os proprietários dos grandes sistemas midiáticos são empresários transnacionais que, na imensa maioria dos casos, têm negócios diversificados em outros setores para além da mídia. Ou seja, eles estão conectados ao mercado global e são atores principais do processo de globalização. O segundo é que, enquanto tal, o sistema midiático é também um vetor ideológico estratégico da globalização. Ou seja, se a crítica à globalização é pra valer, a crítica à atuação da mídia também precisa ser pra valer. E isso, enfatizou Cassen, muita gente não faz por temer ‘perder espaço’ nessa mesma mídia.
Lição pelo exemplo
Durante sua exposição, o diretor do Le Monde Diplomatique deu um exemplo de como essa crítica pode e deve ser feita. Seu caso de estudo foi a cobertura midiática de recentes guerras, todas elas aliás com a participação dos EUA. ‘Os momentos de guerra são momentos de verdade para a mídia’, defendeu Cassen. Kosovo, Iraque, Afeganistão, todos esses conflitos não fazem uma clivagem direta entre globalização neoliberal e movimento por uma outra globalização (ou mundialização, como preferem os franceses), mas há algo que liga esses diferentes temas, propôs o jornalista. Esse algo é o papel dos EUA. Para Cassen, os EUA e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) constituem hoje o braço armado da mundialização neoliberal. E o que a mídia tem exatamente a ver com isso? Na medida em que ela é o departamento de propaganda desse modelo, atuando ao mesmo tempo como instrumento de acumulação de capital e de formulação estratégica, obviamente tem tudo a ver.
Cassen tomou o caso da guerra do Iraque, onde a maioria da grande mídia (especialmente nos EUA) tratou de transformar o patriotismo liberal em patriotismo ocidental e em patriotismo norte-americano. Este, aliás, ironizou, não é reservado apenas aos norte-americanos. ‘Há muitos franceses e, certamente, muitos brasileiros, que são patriotas norte-americanos, são sans-papier (imigrantes clandestinos) em seus próprios países; há muitos franceses que ficam doentes por não possuir um passaporte norte-americano’, cutucou. A atuação da mídia, enquanto usina de patriotismo, não se dá, porém, de um modo monolítico, advertiu o jornalista, comparando a cobertura da guerra feita pela rede inglesa BBC e por grandes TVs dos EUA, como a Fox News, e jornais como o New York Post e o Washington Times. ‘Na BBC, os inimigos do Reino Unido não são necessariamente inimigos da BBC, que assumiu uma posição de recuo em relação aos interesses de seu país e, em vários momentos, levou em conta o ponto de vista do adversário.’ ‘Já no caso dos EUA, os inimigos do país foram tratados, na maioria dos casos, como inimigos da mídia, que se transformou, assim, em porta-voz do poder; chegamos ao cúmulo de ver jornalistas fardados viajando nos mesmos carros que os soldados’.
Palavras como armas de guerra
Neste processo, prosseguiu Cassen, a função primordial da mídia é produzir uma unidade de pensamento junto à opinião pública, fenômeno escancarado no caso dos EUA, que pretendem ser a pátria da liberdade de expressão. Por meio de procedimentos sistemáticos de seleção de informações (e, também, portanto, de ocultação), a mídia transforma-se em um elemento estratégico que usa as palavras como armas de guerra.
Aqui, mais uma vez, Cassen identificou uma falha do movimento altermundista, que consiste em não prestar atenção para o fato de que uma das armas mais importantes desse processo é o uso lexical refinado. Dito de outro modo, na ação de transformar palavras em armas de guerra, não há expressões inocentes. O jornalista deu alguns exemplos disso. Na França, a Frente Nacional (partido de extrema-direita) distribuiu a seus militantes um léxico ensinando o que se devia e o que não se devia dizer. No governo de Lionel Jospin (do Partido Socialista), por exemplo, que se auto-intitulava como representante da ‘esquerda plural’, o manual da Frente Nacional determinava que ele devia ser chamado de ‘social-comunista’. A utilização da expressão ‘bombardeios cirúrgicos’, no caso da guerra no Iraque, é outro exemplo da escolha deliberada de uma expressão para designar algo diferente do que ela realmente sugere. O mesmo se aplica ao uso do adjetivo ‘antiamericano’ para (des)qualificar qualquer um que faça críticas à política do governo dos EUA. A inocência e a neutralidade passam longe dessas escolhas, enfatizou Cassen.
Lições do Vietnã e mentiras de Estado
Mas a ausência de inocência não afeta apenas a escolha das palavras, estendendo-se ao terreno das imagens. Os militares norte-americanos, observou Cassen, aprenderam muito com a derrota na guerra do Vietnã, quando imagens de soldados mortos ensacados contribuíram decisivamente para a formação de uma forte corrente de opinião pública contra a guerra. No caso do Iraque, documentos oficiais ensinaram aos oficiais do Exército dos EUA que a estratégia militar deve ser pensada em função da cobertura da televisão. Nessa estratégia, o emprego da mentira passa a ser uma prática sistemática, como ocorreu no caso das supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein, na farsa do resgate da recruta Jessica Lynch de um hospital iraquiano (quando os militares norte-americanos filmaram um combate que nunca aconteceu), no ocultamento de imagens de soldados dos EUA mortos.
Na verdade, lembrou ainda Cassen, os EUA têm uma longa tradição de mentiras de Estado. Em 1898, Washington utilizou um acidente para declarar guerra à Espanha e invadir Cuba. O navio ‘Maine’ explodiu na baía de Havana, afundando com 296 marinheiros a bordo. Imediatamente, a imprensa dos EUA exigiu guerra, especialmente o New York Journal, que liderou uma histérica e bem-sucedida campanha patriótica pró-guerra. Em poucos dias, a circulação do jornal saltou de 30 mil para 300 mil, chegando a um milhão no auge. A guerra foi declarada, Cuba foi invadida e soube-se depois que a explosão do ‘Maine’ havia sido acidental. Outro exemplo. No Vietnã, dois barcos militares dos EUA alegaram ter sido atacados por torpedos vietnamitas. A mídia desencadeou uma campanha nacional, e o então presidente Lindon Johnson usou o incidente como pretexto para começar a bombardear o Vietnã do Norte. Foi o início da guerra. Soube-se depois, graças ao testemunho de tripulantes dos barcos supostamente torpedeados, que eles jamais foram atacados.
Contra esse poder de manipulação, Cassen só vê capacidade de resistência com o surgimento de um contrapoder cidadão, capaz de elaborar uma crítica eficaz da atuação da mídia e de reconhecer os vínculos entre ela e o sistema global do capital como um todo. Por isso, enfatizou, é tão importante desfazer-se das ilusões a respeito de conquistar espaços na mídia ao preço de uma postura subserviente e bem-comportada. E a crítica da mídia, ressaltou, não representa uma crítica aos jornalistas que trabalham nestes veículos, assim como uma crítica à Coca-Cola não representa uma crítica aos trabalhadores da Coca-Cola. ‘Os jornalistas’, concluiu Cassen, ‘também são vítimas desse modelo’. O que ficou claro na intervenção do diretor do Le Monde Diplomatique é que a primeira tarefa para a construção de uma ‘outra mídia’ deve começar em casa (no interior do movimento altermundista e da esquerda em geral), consistindo na dissipação de ilusões e vaidades que alimentam um sério equívoco relacionado à natureza nada inocente de palavras e imagens. Cada espaço mendigado, sugeriu o jornalista, tem um preço político a ser pago.’
JORNALISMO SEM CORAGEM
Inaê Amado
‘Falta coragem ao jornalismo’, copyright Jornal do Brasil, 14/02/04
‘Minha geração de jornalistas – tenho 31 anos de exercício profissional ininterruptos, 26 em Brasília – foi forjada sob a ditadura militar e se criou acostumada com a presença do censor na redação e às limitações do AI-5. Foram tempos duros e muito difíceis. Mas como tudo na vida tem um lado positivo, essas dificuldades nos obrigaram a exercitar ao limite nossa criatividade, por um lado, e nossa responsabilidade, por outro. Tínhamos – a grande maioria, pelo menos – a exata noção da importância de uma simples matéria de pé de página e das conseqüências que poderia provocar.
Era na edição, na escolha do local de cada assunto, na definição de quais reportagens deveriam sair juntas ou não que passávamos, a nossos leitores, uma infinidade de informações que não podíamos dar claramente. Foi assim que o Jornal do Brasil, por exemplo, produziu uma das melhores capas da imprensa nacional quando, proibido de dar manchete sobre a queda de Allende, no Chile, em 1973, ampliou o primeiro parágrafo do texto e o fez ocupar toda a primeira página do jornal, em letras garrafais.
O Estado de São Paulo notabilizou-se, no mesmo período, pela publicação de receitas culinárias curiosas ocupando o lugar de matérias censuradas. Não quero dizer que a censura tenha sido boa. Com certeza, foi terrível e só os que a vivemos tão de perto sabemos o quanto foram duros esses tempos.
No entanto, hoje, momento de um jornalismo que se permite mais leve, às vezes, sinto falta desse compromisso que minha geração professava com orgulho: o compromisso com o cuidado da edição. Basta lembrarmos do casal de professores paulistas, dono de uma escola, acusados de pedofilia. Tiveram sua vida completamente vasculhada e dificilmente se recuperarão.
Vejamos agora o caso da deputada Maninha. Um jornal da cidade publicou uma nota de correção para informar aos leitores que a deputada federal Maria José Maninha (PT-DF) não foi a fonte de reportagem do dia anterior, sobre sua candidatura ao GDF. A matéria a que se refere a correção ocupou dois terços da página três, com foto, informando que a deputada recusou-se a deixar a Força Socialista, tendência do PT à qual é ligada, em troca de vir a ser a candidata do Planalto à sucessão no GDF em 2006.
‘Maninha recusa oferta para disputar o Buriti’, dizia o título. O leitor atento verá, pelo texto, que a reportagem foi resultado de conversas com várias fontes. Em nenhum momento, o texto atribui qualquer declaração ou informação à deputada. No entanto, sob a palavra ‘Eleições’, o jornal publicou um pequeno parágrafo no qual afirmava: ‘Deputada diz que assessor…’. A deputada não disse nada, mas para todos os efeitos e, infelizmente, para sempre, permanecerá a dúvida.
Edições como a que atribuiu a Maninha declarações que não foram de sua autoria criam ou aprofundam artificialmente antagonismos e dissenções. É o jornalismo interferindo na realidade e de uma maneira nefasta. Como profissional, entendo perfeitamente o que aconteceu e não me resta qualquer restrição aos jornalistas envolvidos, de reconhecida competência. As desculpas que apresentaram também foram aceitas pela deputada. Mas as seqüelas, estas, ainda vão permanecer. Esperemos que não por muito tempo.
Falta ao jornalismo atual um pouco mais de coragem. Errar é humano e não há ainda aquele que possa atirar a primeira pedra. O que falta é a coragem de assumir seus erros na justa dimensão de suas conseqüências. As colunas de Erramos, Falha Nossa e outras do gênero, são ainda muito tímidas. Já é hora de revermos essa posição, que nos obriga à infalibilidade.’