Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Depois da tempestade

Agora só faltam os fatos: depois de duas manifestações do senador Jarbas Passarinho condenando a censura à imprensa no Brasil e, depois de o assessor de Imprensa da Presidência da República, Humberto Barreto, declarar que a imprensa se comportara com grande senso de responsabilidade no caso Herzog, ficamos à espera de atos.


O senador arenista pelo Pará, ex-ministro do Trabalho e da Educação em três governos revolucionários, não é um franco-atirador. Sua palavra liga-se forçosamente, de algum modo, ao esquema político do Governo. A declaração do assessor de imprensa, refletindo o pensamento do presidente Geisel, não pode ser tomada como um elogio gratuito e sem propósito. Em política, como em tudo, não existem fatos desgarrados, acontecendo gratuitamente.


Um afrouxamento de tensões sucedeu à crise que se prolongou por quase duas semanas, propondo uma série de medidas para relaxar a questão social, como a reforma nos critérios e faixas de desconto do Imposto de Renda, esperando-se ainda algo no capítulo da descompressão salarial, segundo o que se depreende da fala de Severo Gomes (ver abaixo).


Falta, porém, dar conseqüência ao desaperto na área política, atenuando a repressão que se estabeleceu em certos órgãos da imprensa, notadamente na revista Veja, nos semanários políticos Opinião e Movimento e no diário Tribuna da Imprensa (Rio) (ver abaixo).


O governador Paulo Egídio, ao restabelecer seus encontros rotineiros com a imprensa, declarou que estava contida a ofensiva do Partido Comunista. Supondo-se certa a afirmação do governador de São Paulo – onde são editadas duas das quatro publicações acima citadas – não fica claro como é que o caso Herzog e as detenções para interrogatórios de mais outros seis jornalistas preveniram a nova onda subversiva.


O que se espera porém é que, passado o mencionado perigo, se possa voltar à normalidade, Se a ‘repressão preventiva’ vingou, já é tempo de interrompê-la. Se não vingou, mais uma razão para trocá-la por algo mais eficiente.


De qualquer forma, a declaração feita por um político do porte de Passarinho, de que a censura no Brasil era igual à da União Soviética, juntando-se à manifestação presidencial sobre o comportamento maduro da imprensa brasileira, pedem continuidade. Na crítica do senador, se a situação não for alterada. Na ação governamental, para dar seqüência ao pensamento do presidente.



A carta de Carta


A última edição de Veja (nº 374) deveria tratar da morte de Herzog e da crise política que a ela se seguiu. Não o fez. A direção da revista foi proibida de sequer mencionar o assunto ou publicar as notas oficiais do II Exército.


A atitude jornalística de Mino carta, diretor de Redação da revista, foi de uma dignidade exemplar: se o principal fato do país não poderia ser mencionado, a rubrica nacional do noticiário também deixaria de sair. Esta seria a única forma de prevenir o leitor de que a revista estava sendo publicada sob critérios outros que não os jornalísticos.


A ‘Carta ao leitor’, assinada por Mino carta, que normalmente abre cada edição, nesta é antológica: pela contenção da linguagem, pela força do protesto, pela coragem da simplicidade. Em 15 linhas e meia, Mino diz que não pôde relatar tudo o que aconteceu, comprometendo-se como os leitores a fazê-lo na primeira oportunidade. O texto é encimado pela reprodução do que seria a capa da revista (a visita de Geisel a São Paulo) se não tivesse sido censurada.


Esta página de Veja vai certamente para o álbum de história da censura no Brasil. E certamente para o capítulo que não o da ‘autocensura’.



Um triste aniversário


Como a censura é coisa antinatural, pois reprime aquilo que deveria fluir normalmente, os critérios dos censores não podem ser lógicos, nem racionais. Mas no caso da censura imposta à Tribuna da Imprensa (Rio) estes critérios chegam ao absurdo.


O jornal de Hélio Fernandes teve proibido pela censura a transcrição de um artigo do ex-presidente Jânio Quadros (publicado originalmente na Folha de S.Paulo), a favor dos contratos de risco simplesmente porque o assunto estava proibido.


Além de ter sido proibida de mencionar qualquer notícia referente à morte de Herzog (salvo uma escapadela assinada por Pedro Porfírio, dedicando uma crônica à esposa do jornalista morto), a Tribuna também não teve autorização para publicar a cobertura da reunião da SIP que, em outros jornais brasileiros, teve franquia integral.


Nestes casos, a questão fica difícil para reclamar. O protesto não é dirigido contra a liberdade de alguns, mas em favor de estendê-la a todos.


Tudo isso ocorre, porém, numa ocasião sombria para o vespertino, fundado por Carlos Lacerda: no dia 1º de novembro o jornal comemorou sete anos de censura. Naquele dia, em 1968, ainda antes do Ato 5, chegaram os censores e de lá não saíram, até agora. E um triste aniversário.



Exceções


A imprensa brasileira, como um todo, portou-se no caso Herzog com coragem e responsabilidade. Mesmo aqueles jornais que se omitiram no noticiário procuraram, por outro lado, usar da mesma moderação na publicação do material de fontes oficiais.


Mas houve jornais que resolveram adotar a posição de acusadores de Herzog. Foi o caso do Jornal de Minas, em sua edição de 1º de novembro, que ocupou toda a sua primeira página com um imenso editorial composto em corpo 24, titulado como se fosse uma manchete. ‘Aos Verdadeiros Brasileiros’. Entre outras coisas, diz que Herzog se suicidou para escapar ao justiçamento dos companheiros de partido.


No Recife, o Jornal do Comércio de 31 de outubro estampa artigo assinado por Talvani Guedes da Fonseca, chefe do bureau de Veja no Nordeste. Com o título ‘Pás, Trabalho, Pátria’, encampa as mesmas acusações, justificando o suicídio.


São tristes exceções.



O caso do misterioso aparte do senador


No dia 28 de outubro o líder da oposição no Senado, Franco Montoro, discursava sobre a morte de Vladimir Herzog quando foi aparteado pelo colega do Paraná, Leite Chaves, que numa linguagem candente, condenou o fato de as tarefas de repressão estarem entregues às Forças Armadas e não às polícias.


Este aparte deixou a classe política, certos círculos do Governo e as redações dos jornais em suspense durante uma semana inteira. Algumas colunas e alguns comentários mencionavam misteriosamente o ‘aparte de Leite Chaves’, mas dentro de um clima de constrangimento e sutileza, sem esclarecê-lo. O aparte esteve presente e ausente dos jornais durante 7 dias num contorcionismo verbal que virou caricatura de jornalismo político. Criou-se assim, com reticências e ilações, um clima apocalíptico, sem contudo dar as informações que o justificassem.


Finalmente, no dia 4 de novembro o senador paranaense fez um discurso esclarecendo sua posição com clareza. Só então o comum mortal – isto é, o leitor destreinado dos mistérios do eufemismo político – compreendeu que o aparte improvisado e apressado do senador fora interpretado como ofensa às Forças Armadas, tendo havido ameaça de cassação e de fechamento do Congresso.


Ficou-se sabendo também que uma série de démarches antecedeu o discurso esclarecedor: retirada do aparte dos anais, recolhimento do Diário do Congresso que já havia circulado com o texto e a impressão de nova edição.


Mesmo em suas edições de 5 de novembro, quando o caso estava teórica e satisfatoriamente encerrado, apenas um jornal, com naturalidade e desenvoltura, contou a história retrospectivamente, com todos os detalhes – Folha de S.Paulo.


O curioso é que a notícia do aparte não foi proibida. Ao contrário, se ameaças de sanções ocorreram realmente, seria do interesse das autoridades que o público soubesse do teor da manifestação para compartilhar da sua repulsa.


A autocensura está tão forte quanto a censura. Aliás, esta só tem êxito onde aquela já funciona.



Resposta


Sob esta rubrica temos publicado nesta coluna a opinião de leitores, envolvidos ou não, em nossos comentários. Estas réplicas não são respondidas a fim de evitar intermináveis polêmicas. Abrimos espaço àqueles que se julgam no direito a ele ou àqueles que têm algo a acrescentar ao que foi dito.


Exceção é feita ao colunista Cláudio Marques, mencionado por nós duas semanas antes da morte de Herzog como autor de uma campanha de caça às bruxas na TV Cultura. O colunista em questão fez publicar na imprensa paulista, nesta semana, extensa carta onde expõe fartamente o único instrumental de que dispõe – a delação ideológica. Fica, portanto, comprovada e publicamente nossa informação.