Planejado com a espetacularidade de um blockbuster hollywoodiano, o ataque aos Estados Unidos pela Al Qaeda em 11 de setembro de 2001 não poderia deixar de catalisar uma imensa produção audiovisual. A efeméride de seus dez anos propicia-nos agora uma oportunidade de balanço, provisório como é natural num evento ainda muito próximo para maior perspectiva histórica.
Das centenas de horas a que assisti até por razões profissionais, o que se agarrou à memória? O que ajudou a ordenar a sensação de caos, medo e desrazão que se impôs após ter visto na TV de casa, naquela manhã, o terror ao vivo? O que, para além da dor, ainda me emocionou?
Decidi-me por uma lista de dez olhares sobre o 11 de Setembro ao alcance de cada leitor, na TV, na internet ou em DVD. Para começar, o documentário 11/9, realizado pelos irmãos Jules e Gédéon Naudet e por James Hanlon, confirmou-se para o ataque às duas torres do World Trade Center como o equivalente ao filme de Zapruder sobre o assassinato de JFK.
O acaso mobilizara a dupla de cinegrafistas franceses a poucos quarteirões dos prédios para um projeto sobre bombeiros nova-iorquinos. Com imagens ímpares da aproximação do primeiro dos dois aviões, do desespero no saguão do WTC antes e depois de as torres ruírem e do heroico frenesi dos bombeiros, nenhum registro capta com maior dramaticidade a sensação de estar lá.
Equivalência moral
Ninguém foi mais bem-sucedido diante do desafio de representar em ficção aqueles acontecimentos, ou ao menos um episódio deles, do que o britânico Paul Greengrass em Voo United 93 (2006). Sua grande sacada foi desenvolver no presente a batalha em pleno ar dos passageiros do quarto avião contra os terroristas que planejavam arremessá-lo contra o Capitólio, a sede do parlamento americano em Washington. É o mais belo tributo de Hollywood às vítimas que optaram por morrer como heróis.
Da safra atual, nada me pareceu mais surpreendentemente revelador do que o especial da National Geographic, George W. Bush: a Entrevista sobre o 11 de Setembro, reprisado na segunda-feira (12/9) às 21 horas. Pela primeira vez em depoimento gravado, precedido em alguns meses por seu livro de memórias, Bush apresenta sua versão sobre como foi o dia que redefiniu sua Presidência. A mensagem principal busca sobrepor-se à sensação cristalizada de sua passividade, voluntária ou forçada, diante do brutal desenrolar dos acontecimentos.
A imagem que fixou publicamente essa versão de um líder alheio está ao centro da grande expiação cinematográfica representada por Fahrenheit 11 de Setembro (2004), de Michael Moore. Enquanto recebia informes dos ataques, eis um imóvel Bush lendo um livro para crianças numa escola da Flórida. Sim, o filme de Moore está repleto de erros, simplificações e truques, mas nenhum outro foi tão importante para alertar o grande público sobre as vilanias políticas e econômicas por trás da guerra ao terror.
Não me surpreendi ao saber que o campeão das locadoras nos Estados Unidos logo depois dos ataques foi o assustadoramente presciente Nova York Sitiada (1998), de Edward Zwyck. Basta notar nos créditos a participação no roteiro do jornalista Lawrence Wright para entender como está lá o essencial do 11 de Setembro, do terrorismo islâmico no coração de Nova York à subsequente violação dos direitos humanos pelos Estados Unidos na busca de vingança, antes que de justiça.
O YouTube nos permite ver a versão filmada por Alex Gibney do monólogo teatral autobiográfico escrito e atuado pelo próprio Wright, My Trip to Al Qaeda (2009). É um autêntico supletivo sobre a formação da gangue terrorista de Osama bin Laden, dos cárceres egípcios após o assassinato do presidente Anuar Sadat, em 1981, até o esconderijo final na fronteira afegã-paquistanesa, como Wright já havia reconstituído no obrigatório O Vulto das Torres (Companhia das Letras, 2007).
Um excelente complemento às pesquisas de campo de Wright se encontra, também no YouTube, na telessérie da BBC The Power of Nightmares (O poder dos pesadelos, 2004), de Adam Curtis. Examina-se aqui em paralelo o desenvolvimento das ideologias por trás tanto do radicalismo islâmico (Sayyid Kotb) quando do neoconservadorismo americano (Leo Strauss). Dá pano para manga a questão da equivalência moral implícita ao discurso de Curtis, mas a série eleva o debate muita acima da superficialidade costumeira.
Firmes e altivas
Não importa quantas vezes as veja, três obras de gêneros distintos germinadas naquele luto ainda arrepiam. Em seu primeiro Daily Show após os ataques, em 20 de setembro, Jon Stewart apresentou um monólogo antológico, a um só tempo íntimo e cívico, que simboliza a fragilidade e a bravura dos nova-iorquinos em busca de retornar à vida cotidiana. Pode-se vê-lo no YouTube e lê-lo no Wikiquote.
Na presente era de ouro da teleficção americana, se discussões cruciais da guerra ao terror pautaram sucessivas temporadas de 24 Horas, nada foi mais tocante do que o episódio especial inserido no calor da hora, em 3 de outubro, no começo da terceira temporada de The West Wing. O roteiro de Aaron Sorkin para Isaac e Ismael, desconectado do fluxo geral da trama, é uma brilhante parábola do embate entre democracia e barbárie radicalizado pelos ataques.
Mas foram necessários quase sete anos para que a cicatriz em nossas retinas fosse aliviada pelo balé no ar do francês Philippe Petit em O Equilibrista (2008), de James Marsh. À obsessão macabra dos terroristas de Bin Laden pelo World Trade Center a melhor resposta é o fascínio que levou Petit a caminhar por um cabo entre seus espigões naquele agosto de 1974. No combate por nossa memória, a poesia voltava finalmente para triunfar sobre o horror. As Torres Gêmeas continuam belas, firmes e altivas, em algum lugar, dentro de cada um de nós.
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[Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários]