O professor da Universidade Columbia e economista Jeffrey Sachs publicou em 30 de abril um artigo que merece releitura no Brasil após a descoberta da súbita riqueza do então ministro chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Saiu traduzido no Estado de S.Paulo (8/5/2011) sob o título “A onda global de crimes corporativos“. Pedimos ao jornalista da Folha de S. Paulo Mario Cesar Carvalho que o comentasse. Antes, apresentamos um resumo do artigo. (Mauro Malin.)
Sachs diz que:
1.Há muitos crimes nos países pobres, mas nos países ricos as somas envolvidas são muito mais vultosas. Comenta: “O dinheiro move montanhas e está corrompendo políticos em todo o mundo”.
2. “É difícil que haja um dia em que não venha à tona um novo caso de práticas administrativas questionáveis ou ilegais”.
3.Predomina a impunidade. “Dois anos após a maior crise financeira de todos os tempos, abastecida pelo comportamento inescrupuloso apresentado pelos maiores bancos de Wall Street, nem um único comandante de uma instituição financeira foi preso”. “Os poucos casos que são notados costumam acabar em algum tipo de repreensão formal e a empresa − leia-se os acionistas − recebe uma modesta multa”.
4. “A corrupção corporativa fugiu ao controle por dois motivos principais. Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais, enquanto os governos permanecem presos ao âmbito nacional. As grandes corporações contam com tamanho poder financeiro que os governos têm medo de enfrentá-las. Segundo, as empresas são as principais financiadoras das campanhas políticas em países como os EUA, onde os próprios políticos, muitas vezes, estão entre os sócios delas, sendo, no mínimo, discretamente beneficiados pelos lucros corporativos. Cerca de metade dos congressistas americanos é composta por milionários e muitos deles mantêm laços com empresas antes mesmo de chegarem ao Congresso”.
5. “Como resultado, os políticos, com frequência, ignoram as situações em que o comportamento corporativo ultrapassa os limites. Mesmo que os congressistas tentassem fazer cumprir a lei, as empresas têm exércitos de advogados que tentam antecipar sua próxima jogada. O resultado é uma cultura da impunidade, com base na expectativa − amplamente confirmada − de que o crime compensa”.
Diante dessa espécie de impasse da democracia representativa, Sachs aponta um caminho possível:
** “Levando-se em consideração a proximidade entre o dinheiro, o poder e a lei, o combate ao crime corporativo será uma luta árdua. Felizmente, o alcance e a rapidez das redes de troca de informações dos tempos atuais podem atuar como uma espécie de desinfetante ou como um fator de dissuasão.
** “A corrupção prospera nas sombras, mas, hoje em dia, um volume cada vez maior de informações vem à luz por meio de e-mails e de blogs, além do Facebook, do Twitter e de outras redes sociais”.
** “Precisaremos também de um novo tipo de político, na vanguarda de outro tipo de campanha, que tenha como base a mídia online gratuita em lugar da mídia paga. Quando os políticos puderem se emancipar das doações corporativas eles recuperarão a capacidade de controlar os abusos corporativos.”
Eis o comentário de Mario Cesar Carvalho, que é especializado em crimes financeiros e corporativos.
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Diagnóstico preciso, proposta tolinha
Mario Cesar Carvalho
O economista Jeffrey Sachs é extremamente preciso no seu diagnóstico da globalização da corrupção corporativa e profundamente ingênuo na proposta para combater essa prática.
Corrupção corporativa é uma parte essencial do mundo dos negócios, tão importante quanto os estudos de mercado e a publicidade. É por meio dela que as grandes empresas conseguem grandes negócios.
Acreditar que as redes sociais ajudarão a atacar essa prática é como acreditar em duendes. As redes sociais têm funções espetaculares, estão mudando o modo de relacionamento interpessoal, mas não consigo imaginar que um dia eu vá encontrar documento sigilosos da corporação X, Y ou Z no Facebook ou no Twitter. Não acredito porque as pessoas que têm acesso a esses documentos são regiamente pagas para silenciar. As corporações sabem muito bem como seduzir seus diretores.
Mais ingênuo ainda é acreditar que surgirá uma nova geração de políticos, “navanguardade um outro tipo de campanha, que tenhacomo base amídiaonline gratuitaem lugar damídiapaga”. Essa geração já surgiu − vide Fernando Gabeira − e não conseguiu romper o círculo vicioso do “você me apoia, eu te financio”.
Esse tipo de corrupção só acabará quando surgir um poder capaz de se contrapor às corporações − e não consigo ver no horizonte nada parecido com esse novo poder.
Outra possibilidade seria o mercado punir os corruptos, deixando de comprar seus produtos ou de depositar recursos nos seus bancos.
Se é para ser utópico, prefiro acreditar nessa militância da punição.