A Folha de S.Paulo constata, na edição de quarta-feira (7/12), que no texto aprovado pelo Senado para o novo Código Florestal é concedida anistia um grupo de grandes empresas do agronegócio que doaram R$ 15 milhões a 50 congressistas durante a campanha eleitoral do ano passado. O fato, que levanta suspeita de compra de voto, merece as manchetes dos jornais e uma apuração rigorosa. Caso para cassação de mandatos, talvez.
Se não envolvesse parlamentares com boas relações na imprensa, certamente este seria o grande escândalo do ano. Mas certamente vai se limitar a isso: uma chamada na primeira página da Folha, uma reportagem correta e incontestável mostrando a relação direta entre a doação de campanha e o voto do parlamentar beneficiado. E o esquecimento.
O projeto do Código Florestal volta agora à Câmara para ser sacramentado, sob as bênçãos da imprensa, que considera o texto aprovado no Senado como o melhor que o entendimento humano poderia produzir, porque, segundo os jornais, nem os ambientalistas nem a bancada ruralista ficam completamente satisfeitos.
Escândalo símbolo
Os jornais apenas se esquecem da enorme satisfação que deve dar às empresas do agronegócio o excelente negócio que fizeram ao financiar candidatos ao Parlamento. O retorno é tão lucrativo que não deveria ser considerado doação: trata-se de investimento seguro.
A Folha cita algumas dessas empresas, a maioria do setor de papel e celulose, alinhando as multas que teriam de pagar e o total que doaram a campanhas eleitorais. Aparecem na reportagem a SLC Agrícola, Fibria, Veracel, Susano, MMX, Bedin Agropecuária, Guidoni e Ultrafértil. Parlamentares de variados partidos aparecem na lista de beneficiários e quase todos apoiaram as mudanças no Código Florestal.
O artigo que favorece as empresas doadoras, segundo o jornal, é o que anula as multas por desmatamento em áreas de reserva, compra de carvão de mata nativa e outros crimes ambientais para as que aderirem a programas de recuperação de florestas. O mais grave, de acordo com a reportagem, é que as doações foram feitas quando o projeto de mudanças no Código Florestal já estava em tramitação, no ano passado.
Trata-se, claramente, de operação de lobby disfarçada de doação para campanha eleitoral, com os privilégios fiscais regulamentares. Se isso não é o escândalo símbolo do nosso sistema político, os jornais precisarão explicar aos seus leitores como é feita sua pauta.
Lobbydissimulado
Desde 2003, quando foi assinada em Mérida, no México, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o dia 9 de dezembro passou a ser considerado a data simbólica dos esforços globais pela prevenção e controle da corrupção em todo o mundo.
No Brasil, uma série de eventos se realiza em Brasília ao longo da semana, reunindo jornalistas, cientistas políticos e outros especialistas na busca de um entendimento sobre o fenômeno.
Na terça-feira (6/12), um encontro organizado pelo Instituto Ethos na sede do Correio Braziliense, como parte do seminário sobre a “Sustentabilidade no Jornalismo Brasileiro”, discutiu o papel da mídia no combate à corrupção.
O assunto, que ocupa regularmente as manchetes dos principais jornais do país, tratou da cobertura que a imprensa costuma dar ao tema e de algumas falhas dessa abordagem. Uma delas é, segundo os participantes, a pouca atenção dada à prevenção, em comparação com o destaque dado às denúncias. Por exemplo, o projeto de Lei 6826, que cria o Plano Nacional de Políticas Públicas, tramita pelas comissões especiais da Câmara sob o silêncio quase absoluto da imprensa. Entre suas propostas destaca-se a responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção.
Trata-se de mudança importante, que deverá dar visibilidade também ao corruptor, uma vez que no Brasil, até aqui, ocorre um fenômeno raro no qual aparece grande profusão de corruptos mas não existem corruptores. Sem essa regulamentação, os casos apurados, quando chegam a ser julgados, podem quando muito punir executivos ou agentes intermediários.
A responsabilização de empresas e sua exposição ao escrutínio da sociedade deverá desestimular a velha prática do suborno e do “estímulo” em votações em todos os parlamentos do país. Com isso, poderão ser esclarecidas certas coincidências, como o fato de grandes empresas do agronegócio que doaram dinheiro para campanhas eleitorais estarem sendo anistiadas no texto do Código Florestal aprovado pelo Senado.
O leitor aguarda a manifestação da imprensa.