O título desse artigo é uma paráfrase da célebre frase do filósofo e teólogo Erasmo de Roterdã, por ocasião da Reforma Protestante do século 16: ‘Dormi católico e acordei protestante’. Realmente, sou jornalista, trabalho com carteira assinada, edito um jornal, tenho a profissão como minha principal fonte de renda e, de repente, do dia para a noite, tornei-me um cidadão sem profissão e pior, impedido de trabalhar naquilo que é o meu ofício, de acordo com o Decreto-Lei 972/69 da ditadura militar.
Com a caça às bruxas, digo aos jornalistas com registro precário, promovida pela Fenaj e sindicatos de jornalistas de todo o país, a situação, além de insustentável, tornou-se um verdadeiro paradoxo. Explico: Se os registros estão sendo cassados pelo fato de os precários não terem a qualificação adequada para o exercício da profissão (falta do diploma), então, como estão trabalhando em redações e assessorias? Ora, nenhum patrão, por mais amigo que fosse, contrataria alguém incapaz para sua empresa.
O paradoxo reside aí. Se o que qualifica o jornalista é o diploma subtende-se que os que não têm o referido diploma são incapazes para o exercício da profissão, e os diplomados, sim. Entretanto, a realidade contradiz isso. Estar trabalhando e no exercício pleno da atividade é prova inconteste da qualificação. Repito: nenhum patrão contrataria um profissional desqualificado, mais ainda, nenhum leitor, telespectador ou ouvinte perderia tempo em ouvir ou ler algo de alguém que não domine o ofício. Esta é a meu ver a condição sine qua non, que determina quem é apto e quem não é para o exercício da profissão de jornalista.
Além dos argumentos expostos acima, há ainda a questão legal que pesa contra a obrigatoriedade de diploma para exercer o jornalismo. Não preciso aqui relembrar os artigos 5º, inciso IX e 220º da Constituição Federal e nem me reportar à Lei de Imprensa, que em momento algum cita a obrigatoriedade de diploma para exercício da profissão e nem exige que jornais, revistas e periódicos tenham jornalistas formados como responsáveis por estas publicações. Parece-me que está havendo um total desconhecimento das leis que regem o jornalismo no Brasil e uma explícita má intenção da Fenaj e sindicatos em impor uma reserva de mercado insustentável num país como o Brasil.
Questão mais ampla
Pior, como pode o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, determinar o cancelamento dos registros precários, se a questão ainda não se esgotou! Não houve direito de defesa dos prejudicados, no caso, os jornalistas com registros precários. Não chegamos ainda ao STF, e cabe recurso em instâncias superiores. Um decreto-lei, promulgado num período excepcional, assinado por três militares das forças armadas, não pode de maneira alguma prevalecer sobre a Constituição Federal e outras leis que garantem o livre exercício do jornalismo. O Decreto-Lei 972/69 deve ser extinto, primeiro porque é um decreto promulgado por um Estado excepcional de governo que não existe mais, segundo, porque a Constituição de 88 não o recepcionou e terceiro, porque é ilegítimo.
Não se está propondo a extinção dos cursos de Jornalismo (se é esse o medo dos pró-diploma) e sim a derrubada do decreto-lei da ditadura, que é uma afronta à liberdade de expressão e do pensamento. Mais ainda, é uma mordaça contra a criatividade e cheira mal como os fétidos porões do regime totalitário de 1964.
A questão do diploma de jornalista é uma questão mais ampla, que precisa ser discutida com toda a sociedade e não somente com os assessores de imprensa que dominam a Fenaj e os sindicatos de jornalistas do país. Lutamos por uma imprensa livre e democrática e pela liberdade de expressão, que é direito inalienável de todo ser humano.
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Jornalista, editor do jornal Tribuna Cristã, vice-presidente da diretoria provisória da União Brasileira de Jornalistas, movimento contra a exigência do diploma de jornalista