Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dunga é o menos culpado

Que me perdoem os que sabem tudo de futebol, em especial de boa parte da chamada crônica esportiva. Agora, após a eliminação do Brasil pela mediana equipe da Holanda, terá continuidade o linchamento público de Dunga, como se o técnico fosse o maior responsável pelo fato de a seleção ter caído nas quartas de final da Copa da África do Sul.

Tenho por hábito escrever que a derrota, assim como a morte, são órfãs e sempre sujeitas à incessante busca de explicações para coisas que nem sempre há como explicar.

Dunga tem sua parcela, mas certamente ele não é o único e nem mesmo o principal culpado. Analisando-se a estrutura da seleção brasileira, o principal culpado chama-se Ricardo Teixeira, há anos no comando da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A mídia esportiva até reclama da eternização de Teixeira no cargo, mas pouco faz para que isso efetivamente mude.

Tenho algumas ponderações sobre a campanha do Brasil na África do Sul com o intuito de debater o futebol, que é o assunto mais importante dentro os menos importantes, como já sentenciou Arrigo Sacchi, técnico vice-campeão italiano em 1994. Hoje (2/7), contra a Holanda, o Brasil fez no primeiro tempo seu melhor jogo na Copa. Felipe Melo, que virou vilão no segundo tempo ao marcar um gol contra e ser expulso corretamente, foi comparado a Gerson no primeiro tempo pelo passe no gol do Robinho. Por isso que a vida é estranha e o futebol, mágico. De vilão a herói em apenas 45 minutos. E o Brasil poderia ter encerrado o primeiro tempo vencendo por no mínimo 2 a 0.

Faltou um jogador ao melhor estilo Dunga

O primeiro gol da Holanda, contra de Felipe Melo, foi uma falha coletiva de marcação. Uma falta desnecessária de Michel Bastos, um chute despretensioso do excelente Sneijder, Júlio César titubeou ao sair do gol e pronto. Como diria Nelson Rodrigues, o Sobrenatural de Almeida entrou em campo. O Brasil pirou, tomou o segundo gol do mesmo baixinho Sneijder. Felipe Melo perdeu a cabeça e foi expulso. E a maionese azedou.

Considerada por muitos como ‘a melhor defesa do mundo’, o Brasil falhou. Tomou um gol que veio num chutão e depois outro gol numa cabeçada onde Sneijder, o mais baixo jogador em campo, subiu sem nenhuma marcação.

Mas do ponto de vista prático, o resultado foi injusto. O Brasil jogou muito mais que a Holanda no primeiro tempo. Não soube converter em gols as oportunidades que teve. Ou seja, um resultado absolutamente normal que em nada justifica a procura de vilões ou o crédito de culpas a este ou àquele jogador ou técnico. O Brasil fez um jogo sofrível contra a Coreia do Norte, uma boa partida frente à Costa do Marfim, uma disputa irritante contra Portugal e passeou contra o velho e bom Chile, nosso velho conhecido sul-americano.

Depois dos 2 a 1 da Holanda, a seleção brasileira tremeu e não conseguiu reverter o resultado. Faltou ao Brasil um jogador ao melhor estilo Dunga, para chamar a equipe à razão. O técnico Dunga não entra em campo. Mesmo com os jogadores que foram convocados, dava para ganhar a Copa, até porque esta é sofrível.

Com raras exceções, mídia está ‘sempre certa’

Criticar o técnico é fácil. Mas seria bom pensar como foi a performance de Kaká e Luís Fabiano, por exemplo. Eles seriam os atacantes do país, ao lado de Robinho. Este último fez bem a sua parte. Os outros dois deveram e muito. Maicon e Lúcio foram importantes e Elano, tão criticado pela imprensa, fez falta nesta fase final. Para mim, o melhor jogador do Brasil nesta Copa foi Juan. Até falhou no gol contra do Felipe Melo, mas foi (quase) de uma perfeição ímpar na equipe.

É a terceira vez que o Brasil perde de virada. A primeira, trágica, na final de 1950 contra o Uruguai; a segunda, em 1998 contra a Noruega na fase de classificação, que não trouxe problemas e agora frente à Holanda, que determinou nossa eliminação.

Na condição de jornalista, tento sempre observar os movimentos dos colegas de imprensa. Há um sério problema com a mídia esportiva brasileira. Ela, com raras exceções, está ‘sempre certa’ e o técnico está ‘sempre errado’. Agindo muito mais como torcedores que profissionais, atuam de forma emocional em detrimento da racionalidade proporcional que se esperaria, mesmo em se tratando de seleção brasileira.

Então, fica para 2014

Isso não é prerrogativa do Dunga. Por sinal, o ex-jogador chegou a comentar duas Copas do Mundo. A perseguição da mídia com os técnicos deve ter começado na Copa de 1930, com o técnico Píndaro de Carvalho. De lá para cá, ninguém escapou. Nem mesmo Telê Santana, técnico das Copas de 1982 e 1986, e que contava com um certo beneplácito da mídia. Até mesmo os técnicos campeões, como Carlos Alberto Parreira (1994) e Luiz Felipe Scolari (2002), tiveram de suportar críticas em relação à convocação ou não deste ou daquele jogador, além dos esquemas de jogo.

Nesta Copa, tivemos ainda um tempero extra. Uma briga pessoal de Dunga com a Rede Globo, maior emissora do país. Precisa ser macho para peitar a emissora que se julga acima do bem e do mal. O pior de tudo não é a Globo se achar o máximo. Boa parte da mídia, num corporativismo um tanto piegas, creditou o tratamento isonômico que Dunga quis dar à imprensa como cerceamento ao trabalho dos repórteres, comentaristas etc. Cheguei a ler, ver e ouvir ironias do tipo: ‘Se era para esconder o time para isso, era melhor ter aberto tudo…’

Não seria exagero acreditar que nossos cronistas e repórteres chegaram até a ‘comemorar’ a desclassificação do Brasil pelo simples prazer de falar ‘tá vendo, eu avisei…’ Sei que isso deve ter acontecido a uma minoria e é lamentável, mas faz parte da natureza humana.

Fica tudo então para 2014. A Copa do Brasil que deve ser vencida. Seria muita burrice fazer outra Copa para entregar a quem quer que seja. Então, anote na agenda. Se você é daqueles patriotas de Copa do Mundo que já recolheu as bandeiras e o pseudo-nacionalismo, a seleção brasileira, obviamente já classificada para a sua Copa, deve estrear em 14 de junho de 2014 em local incerto e não sabido. Acho pouco provável que seja em São Paulo.

Ao Dunga, os meus respeitos. Coerente do começo ao fim.

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Jornalista, São Paulo, SP