Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

E o vento levou…

Este é o terceiro e último artigo sobre o tema que arrebata a atenção de quase dois bilhões de espectadores pelos mais diversos lugares do mundo. Agora, lembrando o título de uma das canções assinadas pela parceria Roberto e Erasmo Carlos, ‘o show já terminou’. O título, que também é o verso inicial da canção, emenda com outro: ‘vamos voltar à realidade’.


A Fifa ofereceu ao mundo o total de 64 jogos. Muitos haverão acompanhado, na íntegra, todos (ou quase todos) e, preferencialmente, com telões 3D. Não sei bem o que, de raro, terão visto. Fato é que alentadas horas de suas vidas terão sido entregues a algo que, tirante a excepcionalidade do acontecimento (de quatro em quatro anos), nada de diferente a recém-encerrada Copa do Mundo exibiu. Perdão: omiti a ‘bola mágica’. Perdão: outra omissão – a final entre duas seleções que, até então, jamais haviam conquistado um título. Sim, e mais: uma delas (Espanha) jamais chegara a uma final. Sim… e então? É isso. Agora, o vento já levou toda e qualquer presença residual.


O presente artigo não tem a intenção de relembrar, à luz dos fatos, as teses expostas ao longo dos dois textos anteriores (ver ‘A paranóia fake continua‘ e ‘A face real da paranóia‘). Elas estão confirmadas.


O que importa agora destacar, efetivamente, diz respeito à questão do crescente apego a tudo que a vida oferece como fugaz e, imediatamente, substituível. É nesse ponto que, sobretudo, a mídia atua e investe. Os sistemas de produção comunicacional, em tempos de hipermodernidade, não mais se preocupam com codificações de caráter subliminar. Isto é recurso ultrapassado. Na hipermodernidade, o modo de codificação de uma mensagem foi substituído pelo processo tensional de conexão/desconexão, ou seja, elimina-se, rapidamente, a emoção negativa pela promessa de outra emoção compensatória. Assim, o possível ‘ego traumatizado’ pode ser deslocado para outra experiência a realimentar o ‘ego sintonizado’.


Alemanha, a grande vencedora


Na era das desconexões, o que conta, sob a regência do sistema midiático, é a preservação de uma emoção integrada. Para tanto, tem de se apagar qualquer resíduo de experiência emocional negativa e, em tempo hábil, reinserir, por deslocamento, nova carga de ‘emoção esperançosa’. Esta foi a fórmula adotada pelos principais meios de comunicação do país com o propósito de neutralizarem mínimos sentimentos de frustração quanto ao medíocre desempenho da seleção brasileira. Para tanto, o grande mote foi a próxima Copa realizar-se no Brasil.


Matérias impressas e audiovisuais se fartaram em conclamar o envolvimento do público, no sentido de acreditarmos que, em 2014, superaremos o trauma da Copa de 50. Ficou visível, ao menos no Rio de Janeiro, a permanências de decorações até o término da Copa. Poucos retiraram, após a eliminação contra a Holanda, os enfeites com os quais prédios, varandas e carros foram alvo de ornamentação. A mídia, timidamente, promoveu análises sobre a pífia presença da seleção no Mundial.


De resto, como havia sinalizado, a Europa foi à África e lá ratificou sua hegemonia. Os três primeiros lugares ficaram no ‘Velho Mundo’ (Espanha, Holanda e Alemanha). A grande vencedora da competição, a exemplo do que já prenunciara ainda nas oitavas de final, foi a Adidas. Lembremos um detalhe: quem ostenta a maior riqueza na comunidade europeia é a Alemanha. É bem verdade que a seleção alemã não foi a vencedora. Todavia, a exemplo do que ocorreu na Copa de 2006, outra vez a Alemanha se viu contemplada.


Das quatro seleções semifinalistas, três delas foram patrocinadas por Adidas (Espanha e Alemanha) e Puma (Uruguai), restando à Nike o patrocínio da seleção holandesa. Não bastasse, ainda há o dado das premiações: o ‘bola de ouro’ coube ao atacante uruguaio Forlán (Puma); o quesito ‘chuteira de ouro’: o atacante alemão Müller (Adidas); para melhor goleiro, o espanhol Casillas (Adidas).


Como bem se pode constatar, de uma forma ou de outra, é para a Alemanha que, uma vez mais, convergem as conquistas. Agora, no melhor estilo que investe na estratégia das desconexões, apaga-se rapidamente o evento que o vento já levou e insere-se novo produto: as eleições majoritárias. Quando uma novela termina… outra tem início. O que importa é manter-se audiência… Como intervalo, ou passagem, há a minissérie do ‘caso Bruno’. Na ‘era das desconexões’, cria-se a instância deformada dessa nomeação esquizóide: memória do futuro.


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Para quem gostou, ótimo!


Ivo Lucchesi


Não pretendo ser chato. Por outro lado, há muitos anos abandonei a condição de ‘leitor ingênuo’. A mudança de percepção acerca da realidade na qual estamos inseridos cobra um preço: o corte com vínculos que possam perpetuar (ou prolongar) o modo ‘infantil’ de relacionarmo-nos com os acontecimentos no mundo. Nada do que antecipei era resultado de ‘bruxaria’. Menos ainda, de ‘poderes sobrenaturais’. Tudo que sinalizei, ainda na reta final das oitavas de final da Copa do Mundo, constava na própria planilha de uma tabela, a exemplo do que tem ocorrido em Copas anteriores. A fórmula se repete, desde 1982. É com base, portanto, em análises, que nada do que foi, nos artigos, afirmado deixou de cumprir-se.


Ao escrever três artigos sobre a Copa (este é o quarto e derradeiro), tinha tão-somente o propósito de instigar novos olhares. Este, acredito, deveria ser o papel a ser desempenhado pelo jornalismo isento, crítico e transformador. Todavia, bem sabemos que, no atual cenário, todos os campos de atuação estão cooptados pela lógica perversa dos interesses financeiros e comerciais. Nada escapa dessa contaminação. Menos ainda, a esfera do entretenimento. A palavra não nega: ‘ter’ + ‘entre’. Quem ‘tem’? Quem mantém o outro ‘entre’? Quem tem e quem mantém é o que banca. Futebol (ou o esporte, em geral), há muito tempo, foi vendido como ‘uma paixão irresistível’.


Nada além


Muitos, pelas mais diferentes carências, se apaixonaram e, nessa paixão, permaneceram, a despeito do avanço da idade. Outros, poucos, descobriram diferentes caminhos, elegendo para si ‘paixões’ que, efetivamente, transformassem suas vidas. Sim, joguei futebol, torci por clube… Um dia, o ‘espelho’ me perguntou: ‘Sua vida sofre alguma alteração por conta de quem foi (ou deixou de ser) campeão?’ Obviamente, a resposta tinha de ser ‘não’. Consequentemente, desse dia em diante, passei a ocupar-me com outras questões… Estava no limiar de minha terceira década de vida. Jamais me arrependi de haver promovido novas escolhas.


Alguns poderão indagar se não é desconfortável sentir-se ‘isolado’, em meio a um coro esmagadoramente majoritário. Bem, para esses, questão inversa pode ser formulada: não é desconfortável saber que o que faz e o que sente são exatamente iguais a milhões de seres? Se pretendo sentir-me ‘indivíduo’, tenho, portanto, de encontrar um ‘lugar’ para vivenciar tal condição. Esperar que a mídia (em qualquer país do mundo) proponha enfoques geradores de mutações perceptivas é o mesmo que acreditar que o fim do mundo se dará em 22 de dezembro de 2012… de acordo com profecias… Do dois mil, já passamos… De 2012, também passaremos e para muito mais. O dado mencionado é para alertar ‘alguns leitores’ quanto ao fato de eu não ser movido por ‘teoria conspiratória’.


O que sempre impulsiona minha escrita é a ‘paixão’ de saber da possibilidade de, com o que se escreve e publica-se, ser capaz de germinar, em um leitor que seja, um diferente olhar sobre as ‘coisas do mundo’. Nada além disso.

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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ)