Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘É preciso garantir o direito de resposta e de imagem’

Na sexta-feira (6/03), o advogado (ex-deputado federal e ministro da Casa Civil) José Dirceu esteve em Campo Grande (MS), onde participou de reunião com militantes do PT para discutir a conjuntura política e a crise econômica mundial. Durante visita ao escritório do ex-governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, Dirceu concedeu esta entrevista exclusiva ao blog Escrevinhamentos.

De costas para uma das estantes recheadas de livros que adornam as paredes do escritório de Zeca, sob os olhos de Mao, Che, Stalin, Churchill e outras personalidades cujas vidas foram alvos de biografias autorizadas ou não, o ex-homem forte do Partido dos Trabalhadores falou por cerca de 17 minutos sobre mídia e jornalismo no Brasil.

Desenvolto, articulado, Dirceu reclamou da ausência de mecanismos que garantam o direito de resposta e os ataques contra a honra no Brasil, clamou por regulamentação no setor, sugeriu a abertura do mercado audiovisual, defendeu a entrada das telefônicas no mercado de TVs a cabo, se disse pessimista quanto à possibilidade de o Congresso votar a reforma política, mas defendeu a instituição: ‘Não é verdade que o Congresso não faz nada, que deputado ganhe muito’, afirmou. Sua entrevista:

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‘Vivemos uma auto-coerção’

Ontem (5/03), em seu blog, o senhor voltou a manifestar espanto quanto à falta de debate a respeito da Lei de Imprensa, citando análises de Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O senhor critica o que ele classifica como ‘proposta de lei nenhuma’ e diz que é isso, lei nenhuma para a imprensa, que querem os que o senhor aponta como ‘barões da mídia’. Pergunto: em sua opinião, quem são e o que querem os barões da mídia?

José Dirceu – Os barões da mídia são aqueles que hoje, no Brasil, têm a propriedade dos principais meios de comunicação, as televisões e os jornais. São os grupos políticos que controlam jornais e rádios nos estados. Estes veículos vivem na dependência da publicidade oficial de prefeituras, dos governos estaduais e federal. Agora começa a surgir uma mídia empresarial no Brasil; em algumas regiões, você vê que há jornais, rádios e televisões que são de grupos empresariais, não são de gente ligada a deputados, senadores ou famílias tradicionais. O problema não é este, da propriedade. É lógico que existe problema de propriedade cruzada, de concentração, monopólio. Nunca se teve uma legislação no Brasil que colocasse limites ao monopólio ou que colocasse limites na propriedade cruzada, que impedisse que alguém tomasse conta de toda a mídia, como aconteceu recentemente na RBS [no Rio Grande do Sul], até que o Ministério Público entrou com uma ação contra seu proprietário. O problema é a falta de regulamentação para o setor.

E onde a falta de regulamentação gera mais problemas?

J.D. – Você vai ao Canadá, Espanha, França, Inglaterra, aos países escandinavos e lá a legislação é duríssima no que se refere à regulação da imprensa. Em Portugal, inclusive, existe um código de ética para o jornalista seguir e há toda uma regulamentação que coloca limites e dá uma proteção à imagem e ao direito de resposta de quem foi vítima de crime contra a honra. No Brasil não há. Uma coisa é você ter censura, outra coisa é você preservar a imagem do cidadão. A liberdade de expressão está na Constituição. Agora, também está na Constituição a proteção à imagem e à honra. Hoje mesmo tem uma decisão inédita contra o João Paulo Cunha. Um juiz arquivou sua denúncia contra a Folha de S.Paulo. Eu considero uma aberração. O TCU tomou decisão final de que não havia irregularidade no processo, não era uma nota técnica, não era nem decisão do ministro do TCU, nem do plenário. A Câmara contratou uma auditoria independente e balizou o processo e o contrato e a Folha escreveu o contrário. Praticamente investigou, processou e julgou o João Paulo na matéria e o apresentou como responsável por um ilícito grave. Não houve crime contra a honra dele? O juiz disse que não houve porque todo mundo sabe que ele foi acusado no processo do ‘mensalão’, mas o processo do ‘mensalão’ ainda não acabou. E se ele for absolvido? Nós estamos vivendo uma auto-coerção em termos da reação da mídia pelas decisões da justiça. Muitos juízes temem condenar a imprensa em crimes contra a honra e dar direito de resposta, preservar a imagem do cidadão. Muitos prejulgam. Já teve ministro que falou: ‘Como é possível dar um hábeas corpus para alguém que já foi condenado pelo Jornal Nacional, ou que foi apresentado como culpado pelo Jornal Nacional?’ Nós chegamos neste ponto no Brasil.

‘Paguei dois micos’

Tudo se resolve com a regulamentação?

J.D. – É preciso uma legislação que garanta o direito de resposta e de imagem, é a democratização dos meios de comunicação. O país precisa de uma legislação e nós temos que debater isso. O Supremo Tribunal Federal diz que a Lei de Imprensa pode ser totalmente revogada, mas o país precisa de uma regulação neste setor, de proteção à imagem, de direito de resposta.

Como seria o formato ideal, em sua opinião, para uma regulamentação sobre o direito de resposta e de proteção à honra?

J.D. – O direito de resposta tem que ser automático. Se o jornal não responde, tem que ter um prazo para ele responder para a justiça. Não pode ir para a justiça e ficar três, seis, nove meses. Tem que ter um prazo. Não foi julgado, publica-se o direito de resposta. Senão a lei não funciona. Não pode ter pena de prisão, mas tem que ter pena pecuniária. Não pode ter apreensão de jornal, mas o jornal tem que responder pelo que faz. Não deve e não pode ter censura em hipótese alguma, mas isso não quer dizer que um jornal pode atacar a honra ou a imagem de um cidadão ou de entidades. Muito menos se pode, como fazem por aí, investigar, processar e julgar. Publicar em primeira página suas condenações.

O senhor pensa ter sido injustiçado pela imprensa pela forma como foi retratado em casos como o do Waldomiro Diniz e o do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel?

J.D. – Eu paguei estes dois micos, um no caso Waldomiro Diniz e outro com o irmão do Celso Daniel [N.R.: João Francisco Daniel]. Fui alvo de pelo menos umas cinco matérias de primeira página, umas oito a 10 matérias internas de página inteira nos principais jornais do país sobre estes dois assuntos e depois, quando se provou que eu nada tinha a ver com os casos, não deram duas linhas. Foi feita investigação, processo, inquérito CPI e eu nem fui citado. O irmão do Celso Daniel se retratou em juízo.

‘Oportunidade para produção independente’

Sobre o caso Waldomiro Diniz…

J.D. – O mesmo ocorreu com o caso do Waldomiro Diniz. Ninguém diz que quando o principal acusador foi à CPI ele disse que não tinha nada a ver comigo. O Waldomiro Diniz nunca falou no meu nome, nem no governo. Aliás, a CPI dos Bingos acabou ali, ela virou uma CPI contra o Lula. Qualquer assunto contra o governo ia para lá. Quando foi divulgada a fita da gravação do promotor público que levou o denunciante de madrugada, ilegalmente, até o prédio do Ministério Público Federal, ele deixou claro que era uma conspiração contra mim, para me tirar do governo. Foi público, deu no Jornal Nacional. Aliás, a bem da verdade, o Jornal Nacional noticiou e colocou a fita no ar. Aquele caso do Waldomiro Diniz foi uma conspiração contra mim, para me ver fora do governo Lula. Mas não era um problema nosso, meu, do governo ou do presidente Lula, era um problema do governo do Rio de Janeiro, do governador Garotinho e da Loterj.

Visto que os principais interessados em manter como estão as regras de concessão de rádios e TVs são os próprios políticos, há esperança de uma democratização neste setor?

J.D. – Sou muito pessimista em relação ao Congresso fazer uma reforma política ou que o Congresso mude as regras de concessões de rádio e televisão. Na verdade, no Brasil, nós precisaríamos de novas concessões licitadas de rádio e televisão, com outros critérios. Nós precisamos licitar novos canais de TV. Não hoje, pois estamos em crise, mas até um ou dois anos atrás isso era possível. Se tivessem adotado o modelo digital, que permitiria abrir e licitar novos canais, talvez outras emissoras tivessem surgido.

Como o senhor analisa a TV no Brasil?

J.D. – Na verdade, no Brasil o que há é a Globo. A Bandeirantes tem um nicho de jornalismo e esporte em São Paulo, Gazeta, Rede TV e CNT vão indo, a Record cresceu e chegou ao teto, o SBT está evoluindo, não tem muito foco, é o Silvio Santos, o que já é muito, mas é isso. Não estou desmerecendo [o SBT], pelo contrário, é [Silvio Santos] uma pessoa excepcional, mas é um tipo de televisão que não tem nada a ver, por exemplo, com a Globo. A Globo é uma grande televisão, uma grande organização, tem uma produção cultural extraordinária. Nós devemos muito a ela no país sob o ponto de vista de produção. Agora, quero que exista oportunidade para uma produção independente no Brasil, produção de conteúdo nacional, financiamento, outras oportunidades e, principalmente, no caso das TVs a cabo, acabar com esta fórmula.

‘Pauta encomendada’

O que deve mudar na fórmula das TVs a cabo?

J.D. – Não podemos ter uma TV a cabo como temos no Brasil hoje. Primeiro, as telefônicas têm que ter o direito de entrar, até porque não existe definição constitucional para isso. Segundo, tem que ter produção, não pode ser só instrumento para veicular e a produção ficar monopolizada. A produção tem que levar em conta o conteúdo e a produção nacional. Todos os países fazem isso, não estamos inventando nada, não estamos inventando a roda no Brasil. Todo mundo financia a produção, o conteúdo nacional, a produção independente e financia de uma maneira poderosa em países como a França, por exemplo, onde há restrições sérias à produção estrangeira. Aqui no Brasil ela tem liberdade total e controla a distribuição. É um problema grave. Ou abre para o capital estrangeiro totalmente, ou protege o conteúdo e a produção nacional e democratiza. Agora, não democratizar, não proteger o conteúdo nacional, não promover a produção independente e alegar na hora que é por interesse na defesa da cultura nacional… Não pode ter capital estrangeiro porque vai desnacionalizar, vai desnacionalizar o que cara pálida?

Convencionou-se em certos setores referir-se a alguns veículos de comunicação como membros do chamado ‘Partido da Imprensa Golpista’ (PIG). O senhor acredita que há, de fato, um setor da imprensa dedicado a comprometer o governo Lula e a adular o PSDB?

J.D. – Não uso esta expressão, PIG, não gosto de quem usa, mas acho, sim, que houve uma campanha organizada, da qual grande parte da mídia participou e continua participando, de organizar a agenda do país. Por exemplo, agora há uma tentativa de organizar esta agenda, não falando sobre a crise, sobre o governo do Lula ou sobre o futuro, mas sim, sobre o Jarbas Vasconcelos denunciando corrupção com o apoio do Orestes Quércia – aliás, vai acabar a corrupção no Brasil – e que há uma pré-campanha da Dilma. O Serra e o Aécio não estão fazendo pré-campanha… Os governadores, os prefeitos, todos pensando na reeleição, não estão fazendo… Pauta encomendada, como foi a tentativa de transformar a crise no fim do mundo. Disseram que o Brasil ia acabar. Inclusive, estes dias mesmo, li um artigo de um jornalista dizendo que agora vem aí o desemprego e que o governo não podia esconder isso, que o desemprego era uma realidade, que o governo não podia querer gastar, entendeu?

Dependência de verbas do governo

O senhor considera que a imprensa brasileira se deixa manipular com facilidade pelo poder político, ou é o contrário?

J.D. – É o contrário. Parte importante da mídia no Brasil tem uma articulação clara com o poder econômico e tenta colocar de joelhos, inclusive, o Congresso Nacional. Sempre digo: não é verdade que o Congresso Nacional não trabalha, não é verdade que um deputado ganha muito, não é verdade que o Congresso não fez nada. Tive uma polêmica com o professor da Unicamp, Roberto Romano, por causa disso. Não pode jogar a criança com a água fora, entendeu? O Congresso aprovou as leis mais importantes dos últimos anos. Só para citar três reformas: judiciário, tributária e previdenciária. Só para citar duas leis importantíssimas para o país: a lei de inovação ou o estatuto de pequenas e médias empresas, o super-simples. Posso ficar aqui falando por dez minutos. Tem mazelas? Tem erros? As verbas indenizatórias, o corregedor-geral, um deputado ou outro? Tudo bem, mas não se pode querer transformar tudo em erro. Manter o Congresso acuado, de joelhos ou diminuído não aprova legislações como, por exemplo, a que muda no Brasil a questão dos meios de comunicação ou a reforma política. Por que a imprensa não faz uma campanha para aprovar a reforma política?

Por que ela não faz isso?

J.D. – Esta é uma pergunta que tem que ser feita aos donos dos jornais.

No Fórum Social Mundial de Belém, um dos assuntos debatidos foi a necessidade de construção de mecanismos que levem a políticas públicas que permitam à chamada imprensa alternativa ter acesso as verbas públicas de publicidade. Qual sua opinião sobre este tema?

J.D. – Acho que é importante que as verbas de publicidade sejam regionais, locais e que haja também espaço para a imprensa nanica, pequena ou alternativa, que ela tenha parte destas verbas, pois ela tem o seu público também. É preciso desconcentrar as verbas de publicidade que estão hoje dirigidas a uma minoria de órgãos no Brasil. Mas são os órgãos que vendem e que têm audiência, pode-se dizer. Tudo bem, mas o país precisa de pluralismo na imprensa, precisa de mais democratização na imprensa. Na verdade, vamos viver um momento difícil, vai cair violentamente a verba publicitária das empresas no país e, infelizmente, vai aumentar muito a importância e o peso das verbas governamentais. Eu preferia que a imprensa dependesse menos de verbas governamentais e mais das verbas da iniciativa privada, do empresariado, do mercado. Mas não é esta a realidade do país. Você sabe que os jornais do interior são movidos pela verba publicitária dos governos e o problema é que é da natureza do sistema que seja assim.

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Jornalista, Campo Grande, MS, edita o blog Escrevinhamentos