Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

É proibido rir

Eleição é coisa séria. Mas nem por isso obrigatoriamente sisuda, sem graça. Na verdade, é comum ser definida como uma festa da democracia – e onde já se viu festa com todo mundo de cara amarrada? A lei eleitoral em vigor proíbe rádio e TV de usarem trucagem, montagem ou qualquer outro recurso de áudio ou vídeo ‘que, de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação’.


Como forma de disciplinar as campanhas eleitorais, até que se entende. O problema é que a lei não é usada apenas para disciplinar o que partidos e candidatos dizem de outros candidatos e partidos.


Ela também está valendo para calar a boca de humoristas profissionais, principalmente na televisão.


Não parece ser, como se poderia pensar, um possível excesso de prudência das emissoras.


O problema está no próprio texto da lei. Ele proíbe que rádio e TV usem ‘trucagem, montagem ou qualquer outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação’. É uma rede grande demais.


Impede o recurso à paródia e à caricatura – dois instrumentos seculares na história do humor. E da política.


Pés de barro


Entende-se que a lei discipline com boa dose de severidade o que candidatos e partidos dizem uns dos outros. Coisas graves, como calúnia, difamação e injúria devem, claro, ser punidas. Mas nada justifica a intromissão na liberdade de expressão de humoristas e outros cidadãos que ganham a vida fazendo a gente rir.


Em outros países com democracias tão bem intencionadas como a nossa, a sátira política não entra em recesso durante campanhas eleitorais. Com bons motivos: são momentos especialmente ricos em episódios e comportamentos merecedores de sadia gozação.


Nos Estados Unidos, todo fim de ano, o próprio presidente da República costuma ser mestre de cerimônias num jantar com jornalistas exclusivamente dedicado a fazer graça às custas de sua própria administração. Não vamos pedir nada parecido nestas bandas.


Nosso mundinho político pode ser satisfatoriamente democrático – mas senso de humor certamente ainda não é o seu forte.


Nada contra leis que punam com severidade calúnia etc. Mas é erro grave criar restrições, durante campanhas eleitorais ou em qualquer outro momento, ao trabalho do pessoal que se dedica alegremente a não nos deixar esquecer que nossos candidatos a líderes e governantes também têm pés de barro. Ou, com as limitações impostas pelo bom gosto, qualquer outra parte do corpo.