Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O apresentador não é o jornalismo de TV

Marshall McLuhan nos demonstrou que o meio é a mensagem, uma teoria que se materializa em larga escala na era digital. Quem não se der conta da enorme influência do meio sobre o conteúdo vai cometer erros graves de comunicação. A Rede Globo, por sua vez, tenta nos convencer de que o jornalismo de TV é o apresentador, nada mais que o apresentador, numa simplificação estarrecedora do problema.

Quase meia hora – um tempo colossal, em se tratando de tempo televisivo em horário nobre – das últimas edições do jornalismo global foi dedicada às informações sobre mudanças no quadro de apresentadores do Fantástico e do Jornal Nacional. Patrícia Poeta deixou o Fantástico e passou a dividir a banca de apresentação do Jornal Nacional em lugar de Fátima Bernardes, que migrou para um programa próprio, também na Globo. Os informes sobre as mudanças beiraram o mais puro narcisismo. São raras as vezes que um canal de TV da importância da Globo dedica tanto espaço para falar bem – e com tanto encantamento – dos profissionais que apresentam o seu jornalismo.

Quem senta à frente de uma TV quer entretenimento e quer notícias. Tanto melhor se as notícias forem apresentadas por quem sabe o que é notícia ou por quem tem intimidade com a notícia. Sob esse aspecto, é necessário dizer que a Globo está bem servida. A importância exagerada com que ela tratou uma simples troca de apresentadores, contudo, aproximou-a de Rupert Murdoch e a sua obstinação em transformar jornalismo também em entretenimento, como se uma “dupla perfeita” de apresentadores fosse suficiente para manter a audiência de um jornal mal realizado.

Discrição e canja de galinha não fazem mal

Jornalismo em TV vai muito além da apresentação, que nem chega a ser a face mais importante, se, por exemplo, imagens eloquentes que venham da rua forem capazes de acobertar eventuais falhas de apresentadores. O importante de notar neste episódio é mesmo a tentativa de impor ao público a ideia de que a qualidade em jornalismo de TV vem da apresentação ou, no máximo, de uma “competente equipe” de edição. Quem exagera no foco a um dos aspectos do problema vai enfraquecer o foco nos aspectos que mais importam.

Antes do apresentador, há o repórter, o câmera, produtores e pauteiros, a equipe técnica responsável pela qualidade das gravações externas. É a soma de todas essas competências, coroada por uma boa apresentação, que faz o bom jornalismo de TV. Não é só a Globo que tem trocado as peças desse jogo. A maioria das emissoras supervaloriza – inclusive por salários que desequilibram uma folha de pagamento inteira – a figura do apresentador e deixa numa espécie de limbo os garimpeiros da notícia que carregam o piano por todas as frentes da notícia em todo o país.

Não pode haver dúvidas, contudo, que o jornalismo da Globo tem passado por grande evolução nos últimos anos. A rede tem conseguido fazer, graças a suas afiliadas e parceiras, talvez o único jornalismo legitimamente de porte nacional. A abrangência de seu jornalismo supera, inclusive nos dias de hoje, a da mídia papel, cuja cobertura raramente excede o triângulo Rio, São Paulo, Brasília. Houve também notória evolução técnica. É empolgante, pela clareza e didática, a cobertura da TV Globo, especialmente a da Globo News, dos assuntos intrincados da economia ou da política. A primeira vítima desse foco exagerado sobre a apresentação tem, entretanto, surgido com o passar do tempo: os noticiários regionais, que ainda são exageradamente provincianos, confusos e por vezes redundantes em relação ao noticiário nacional.

William Bonner, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta são profissionais com méritos inequívocos. Creio que não há porque ressaltá-los tanto no ar, como se fossem deuses – os únicos – da notícia. Discrição e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]