Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

Um silêncio estrondoso, constrangedor, sepulcral, eloquente, criminoso… No total, foram nove adjetivos diferentes, compilados por leitores, para qualificar a mudez da Folha diante do lançamento do livro ‘A Privataria Tucana’, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. (Geração Editorial, 343 págs.).

Na quinta-feira, finalmente, o jornal publicou uma reportagem contando algumas das denúncias contidas na obra e apontando o que seriam falhas (folha.com/no1021526). Os que voltaram a se manifestar não estavam satisfeitos: acusavam a

Folha de estar mais preocupada em defender José Serra, alvo principal do livro, do que em expor as denúncias do autor.

A tentativa central da ‘Privataria Tucana’ é mostrar os supostos caminhos tortuosos de cifras milionárias movimentadas por pessoas próximas a Serra. Segundo o livro, seria um esquema para ‘lavar’ propina recebida por conta das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Ribeiro Jr. usou documentos da CPI do Banestado, que apurou, entre 2003 e 2004, crimes de evasão de divisas, mas que terminou em ‘pizza’, sem um relatório final. As denúncias envolvem Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-tesoureiro de campanhas tucanas, o empresário Gregório Marin Preciado, casado com uma prima de Serra, e Verônica Serra, filha do ex-governador.

Os capítulos finais do livro, porém, são um petardo contra o PT, retratado como um partido engalfinhado em disputas internas.

Para avaliar a qualidade do material publicado, são necessários tempo e um jornalista investigativo experiente. Primeiro, é preciso apontar o que há de novidade, quais são os documentos inéditos, já que muitas denúncias elencadas apareceram na grande mídia na época.

O leitor adepto da teoria do ‘PIG’ (‘partido da imprensa golpista’) tomaria um susto no arquivo digital da Folha. A manchete de 25 de maio de 1999 era: ‘FHC tomou partido de um dos grupos no leilão da Telebrás’. O presidente acusava o jornal de ‘sensacionalista’. A notícia eram os grampos no BNDES, que revelavam empenho do governo federal em fortalecer um dos consórcios concorrentes. A reportagem ocupava incríveis 12 páginas.

O ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio, que mereceu um capítulo na ‘Privataria Tucana’, foi capa da ‘Veja’, de 8 de maio de 2002, sob o título ‘Quinze milhões na Vale’. A reportagem denunciava um pedido de pagamento de ‘comissão’, que teria sido feito por Ricardo Sérgio em nome dos tucanos, por ocasião da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997.

Separado o que for revelador no livro -se houver algo-, cabe à reportagem aprofundar as investigações, mergulhando nos papéis que acabaram esquecidos depois que a CPI do Banestado foi arquivada.

Não dá para ignorar também o relato do que teria acontecido em um dos centros de imprensa da campanha presidencial de Dilma, definido pelos tucanos como ‘fábrica de dossiês’. Ribeiro Jr. foi acusado de ter encomendado a quebra de sigilo fiscal da filha de Serra e acabou indiciado pela Polícia Federal. O assunto ocupou várias manchetes da Folha em 2010 e até hoje a história está mal contada.

O jornal fez bem em romper o silêncio em torno da ‘Privataria’, que teve alegados 15 mil exemplares de sua primeira edição esgotados. Foi uma atitude correta, não só como resposta à blogosfera e à parte da mídia que faz publicidade da obra, mas porque é tradição do jornal publicar denúncias, não omiti-las. Foi assim nos governos FHC e Lula e tem sido a praxe com Dilma.

Só que o trabalho ainda não acabou. A Secretaria de Redação diz que o jornal está ‘em busca de fatos que mostrem aspectos relevantes e desconhecidos do processo de privatização’. ‘Para isso, pode usar esses e outros documentos como ponto de partida de investigações mais profundas’, afirma.

Ao leitor, resta esperar para saber o que é lixo, como definiu Serra, e o que é notícia ali.