A semântica é controvertida. Não apenas por causa da ciência e dos significados, mas também pelo fundamental hábito de significar, de usar palavras com o objetivo da comunicação inteligível. Pode-se mesmo dizer que a controvérsia da semântica assenta-se sobre a controvérsia mais fundamental do animal que a pratica. As pessoas são controvertidas e a semântica é apenas uma vítima da controvérsia humana. Senão, vejamos.
O que quer dizer “grande mídia”, ou mainstream media? Os críticos da imprensa, desde os psicóticos do Before its news até os conservadores do Observatório da Imprensa utilizam o termo irrefletidamente quando querem denunciar a falta de reflexão no tratamento jornalístico das urgências diárias, no caso dos conservadores; ou a explícita intenção de conspirar, no caso dos psicóticos. Mas a qual mídia, propriamente, eles se referem? E o que representa a escolha do indefectível rótulo?
Embora lhe seja uma condição indispensável quando o adjetivo associa-se à mídia, o sentido de “grande” ultrapassa os limites da interpretação padrão que consiste, obviamente, na caracterização do tamanho. Quem se refere à grande mídia não deseja se focar apenas e, nem sequer, principalmente, no tamanho. Esse adjetivo banal, quando caracteriza qualquer distância, por exemplo, exerce uma função metafórica ao ser associado a um conceito cuja ontologia se distingue particularmente da enorme linha imaginária que separa a Terra e a Lua, consideradas as experiências diárias de deslocamento de uma formiga.
Expectativa de perenidade
Nem toda a mídia é poderosa, mas a grande mídia, sim. O que nos reporta diretamente para a Controvérsia número 1: nem toda mídia, excluída do adjetivo grande, deixa de ser poderosa em seu nicho, podendo, inclusive, ameaçar, esporadicamente, o poder da grande.
Portanto, nesse esforço de esclarecimento, característico das ciências semânticas, somos levados a considerar o adjetivo de forma mais precisa. A grande mídia não é apenas poderosa, é a mais poderosa. Mas o poder de influenciar, que é o motto primarius, a sublime petimus do empreendimento jornalístico, é segmentado. Assim, e como não é possível a novilíngua, até o veículo de informações de um território absolutista concorrerá, pelo menos, com o interminável ruído do boca a boca que, frequentemente, substitui a oficialidade estabelecida na função de principal fonte de informação. Logo, mesmo que a grande mídia seja a mais poderosa, ela não poderá ser, a todo momento, a mais poderosa. A condição de ser a mais poderosa durante a maior parte do tempo depende do reconhecimento da sua permanência. O que não é, também e absolutamente, um fato certo; ainda que se reconheça que tudo o que é grande dispõe, proporcionalmente, de muita inércia. Em outras palavras, reconhecer a grandeza de um implica necessariamente em admitir a pequenez do outro. E quando esses valores se determinam pela expectativa de perenidade, reconhecer a grandeza também depende de acreditar na oposição entre a manutenção do status de um e a transitoriedade da ação do outro. Os usuários da expressão, exercendo o papel de profetas e tão precisos e contundentes quanto eles, sugerem que a “grande mídia” continuará indefinidamente a ser grande.
Crítica inefetiva
A grande mídia é a mais poderosa em mais situações ou, simplificadamente, a mais poderosa. A grande mídia oferece garantias de continuidade: espera-se que permaneça na condição de grande. É o que todas as demais gostariam de ser. Um ideal, um locus. Se fosse coerente, o crítico da grande mídia de agora precisaria permanecer igualmente crítico da grande mídia de amanhã, ainda que os titulares do poder de agora trocassem de lugar com os concorrentes que se estabelecessem amanhã.
Ou seja, se a semântica está correta em indicar que toda a ecologia da predicação faz parte do universo delusional, no qual se vê imerso o esquizofrênico cérebro humano, então, criticar a grande mídia pensando-a como a “grande mídia” é apenas tão inefetivo quanto criticar o rei, quaisquer que sejam as suas ações de governo. De fato, trocaria-se o rei e, por não se ter refletido sobre eles, permaneceriam os mesmos males. Ou, e esta é a Controvérsia número 2: se o crítico for menos personalista e mais pueril, sua oposição à grande mídia equivale simplesmente ao desejo de que não haja nenhum veículo capaz de suplantar, em poder, todos os outros.
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[Rodrigo Panchiniak Fernandes é professor universitário, Florianópolis, SC]