A Folha de S.Paulo divulgou na terça-feira (20/12) que o governador do estado de São Paulo teria cortado do ensino médio geografia e história no matutino e português e matemática no noturno, para acrescentar, em seu lugar, sociologia, filosofia e artes (“SP reforça sociologia, filosofia e artes, mas corta aula tradicional”). Em 22/12, o periódico informou que Geraldo Alckmin teria voltado atrás na redução de matemática e português (“SP recua em cortes de aulas de matemática e português à noite”). No que seria a terceira alteração do currículo desde setembro, prevê-se, para o diurno, o aumento de português, matemática, filosofia, sociologia e artes, enquanto se reduz história, geografia e aulas de preparação para o vestibular. Para o noturno, não seria mais reduzida a carga horária de português e matemática. As disciplinas prejudicadas nessa última versão em relação à anterior seriam sociologia, filosofia e geografia (“A pedido de Alckmin, secretaria muda currículo escolar da rede estadual”, G1).
É revelador trecho do editorial da Folha de 21/12 (“Lição errada”), a considerar que “não é desprezível o risco que filosofia e sociologia tornem-se meros pretextos para proselitismo ideológico dos professores”. Latente por trás dessa declaração não estaria o temor dos editores de que o ensino de filosofia e sociologia pudesse despertar maior capacidade crítica nos alunos, tornando-os leitores menos desarmados perante qualquer discurso ideológico-político proferido pelo periódico? Pois o aprendizado de disciplinas dessa natureza permite ao estudante formar sua consciência de forma mais racional e menos passiva, desmascarando mais facilmente a falácia da neutralidade política de determinada notícia ou artigo de opinião.
Concepção predominante
A inclusão de matérias como filosofia e sociologia deve ser comemorada, pois tende a representar, para os estudantes, um progresso no seu potencial de crítica e de problematização da realidade. Não por acaso, seu ensino incomodava tanto a ditadura militar a ponto de ela impor seu banimento do currículo em 1971. Em 2001, o Congresso Nacional já havia aprovado o retorno dessas duas matérias, mas o ex-presidente, e por sinal, sociólogo, Fernando Henrique Cardoso vetou-o (“Lei torna obrigatória a inclusão de sociologia e filosofia para o ensino médio”, Andifes, 02/06/2008). Pois retornam em 2008, cerca de quarenta anos depois, em lei federal, conquista da luta de movimentos sociais e do pleito de Academias de ciências humanas. A ideia, todavia, nunca foi a de prejudicar o ensino de outras disciplinas.
Desatinadamente, a grande imprensa apenas se insurgiu contra a pretensão do governo de reduzir as aulas de matemática e português, dando-se por satisfeita quando se resolveu sacrificar “apenas” geografia, história ou filosofia e sociologia.
Ora, o mais razoável seria não prejudicar nenhuma matéria, mas sim, aumentar a carga horária geral nas escolas públicas, que por sinal é bem reduzida em comparação com as particulares. E houve efetivamente um louvável, porém pequeno, aumento nas horas de aula para o período matutino. Mas mesmo tal mudança não equaciona suficientemente as controvérsias sobre a mudança curricular, uma vez que aulas de algumas disciplinas tiveram de ser excluídas. E não se está entrando no mérito nem sequer do conteúdo de cada matéria do currículo, nem tampouco da concepção pedagógica predominante, cujos reparo e atualização seriam, para muitos pedagogos, ainda mais urgentes do que o mero remanejamento da carga horária.
“O maior imposto que a classe média paga”
A crise das escolas públicas paulistas está longe de se esgotar na realidade do currículo e merece ocupar mais espaço na imprensa, até para convidar mais gente a meditar sobre o problema. Trabalhando sob condições demasiado precárias e recebendo salários muito defasados, o quadro de docentes prevalece desestimulado. Há carência de qualidade e quantidade de profissionais em diversas áreas. Essa conjugação de fatores conduz a um círculo vicioso onde cada vez mais se aumenta o hiato de qualidade entre as boas escolas particulares e as públicas do estado de São Paulo.
E por mais que haja no governo federal programas valiosos de incentivo aos estudantes de escola pública, como o ProUni, é difícil discordar da afirmação de Safatle segundo a qual “o maior imposto que a classe média paga é a escola privada” (“Paradoxo Nativo”, CartaCapital, 05/01/2011). Porque esta escola pública cada vez menos lhe é uma alternativa.
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[Otávio Dias de Souza Ferreira é bacharel em Direito e Administração e mestrando em Ciências Sociais na Unifesp]