Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Forte disputa no mercado oligopólico

Aprovação da lei que permite a entrada das empresas de telecomunicações na TV fechada e várias disputas em torno de direitos de transmissão de eventos esportivos: se 2011 ainda não apresentou mudanças significativas para derrubar as barreiras do mercado estabelecidas pelas empresas das Organizações Globo, combates importantes foram estabelecidos, prometendo um 2012 com novas disputas entre operadores e, como sempre, uma agenda pró-regulamentação midiática cheia, mas com forte resistência empresarial.

A Lei 12.485, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em setembro, promete alterar as relações de mercado no que tange à transmissão paga televisiva. Neste ano que se inicia, as empresas de telecomunicações entrarão finalmente no mercado enquanto distribuidoras de conteúdo, rompendo um dos elos da concentração vertical das Organizações Globo no setor. Apesar disso, a ampliação da obrigatoriedade de conteúdos nacionais tende a beneficiar as empresas do grupo, que é o maior produtor brasileiro.

No caso da TV Globo, cuja liderança do mercado oligopólio generalista é mais evidente, por se tratar de um meio de comunicação presente na maioria dos lares do Brasil, as esferas econômicas das indústrias culturais ficaram muito expostas ao longo do ano que passou, com o esporte sendo protagonista dos confrontos estabelecidos e, por conta disso, recebendo maior atenção destes autores. Já nos primeiros meses do ano, a disputa mais esperada por todos: após a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta entre a emissora e o Clube dos 13, entidade que representa os principais clubes do país, em outubro de 2010, por conta da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de determinar as relações anteriores como formação de cartel, esperava-se que o edital de licitação seguinte pudesse apresentar uma efetiva disputa em torno dos direitos de transmissão em TV aberta do Campeonato Brasileiro de Futebol. A expectativa era de que a Rede Record ofereceria um valor “absurdo” para o mercado brasileiro se confirmasse, restando saber o quanto a Globo poderia colocar em termos de valores.

Batalhas no setor esportivo

Com processo de licitação para as edições de 2012 a 2014 anunciado, a única emissora a apresentar proposta foi a Rede TV!, de porte médio, que ofereceu R$ 516 milhões por temporada. A Globo desistiu um dia depois de apresentado o edital de licitação, ao acreditar que R$ 500 milhões por temporada, valor mínimo para lance, representava uma quantia impossível para que o mercado publicitário brasileiro pudesse repor. A Record desistiu no dia do anúncio das propostas, por saber que a maioria dos clubes já havia negociado com a emissora da família Marinho em separado.

As disputas, que se tornaram públicas por meio de notas da Rede Record e de comentários de membros do próprio Clube dos 13, geraram uma audiência pública sobre o assunto, em abril, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, no mesmo dia que a Globo enviou ao Cade os contratos assinados de forma individual com os clubes. Semanas depois, o C13 anunciava o acordo com a Rede Globo, que mal precisou participar do processo de licitação, mas que gastará, cogita-se, cerca de R$ 800 milhões por temporada.

As concorrentes envolvidas no processo também reagiram a ele. A Rede Record passou a realizar reportagens em seus programas jornalísticos não só sobre o assunto, como também sobre possíveis problemas criminais do presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, e dos dirigentes e empresários próximos a ele. A Rede TV! perdeu o direito de transmitir a Segunda Divisão nacional, que foi cedido pela Globo à Band, atual parceira no pacote Futebol. Mas se o Brasileirão foi alvo da principal disputa, até mesmo pelo patamar dos valores envolvidos e da guerra estabelecida, outras batalhas entre os membros do setor foram realizadas ao longo do ano.

A “luta do século”

Ainda no futebol, o principal torneio de clubes do mundo, a Liga dos Campeões da Europa, que até meados do século 21 não recebia muita atenção das emissoras de TV aberta brasileiras, teve a negociação dos direitos de transmissão para o triênio 2012, 2013 e 2014 sendo alvo de disputas por dois blocos de empresas distintos. De um lado, Rede Record, portal Terra (Telefonica de Espanha) e Fox Sports; do outro, Rede Globo, Esporte Interativo e ESPN. O último grupo venceu o processo de licitação por apresentar, cada um em seu setor de atuação (televisão aberta, UHF/internet e TV fechada), a exploração dos jogos num valor que representa quatro vezes mais o que foi pago três anos antes.

Além disso, todas essas empresas ampliaram a possibilidade de transmissões. A Globo, que repassa a maior parte dos jogos do torneio para a Band, exibirá cinco jogos por temporada – não só os três, como na temporada 2011/2012; e tanto TV Esporte Interativo quanto ESPN transmitirão também via internet e plataformas móveis, o que representa as novas possibilidades de veiculação de audiovisual – que não refletem, necessariamente, uma maior efetividade de participação de atores sociais no processo, por mais brechas que se tenha.

Já nos últimos meses do ano, o alvo de disputa foi os direitos de transmissão para o torneio de Artes Marciais Mistas (MMA, sigla em inglês) Ultimate Fighting Championship (UFC), evento que foi a grande novidade na mídia brasileira, com um grande crescimento de visibilidade ao longo de 2011. Em fevereiro, dois dos mais conhecidos lutadores brasileiros, Vitor Belfort e Anderson Silva, fizeram a “luta do século”, na categoria peso médio (84 kg). A vitória de Silva deu uma grande visibilidade nos meios de comunicação, mesmo que a luta só tenha sido transmitida no canal Combate, da GloboSat, via pay per view. Mas o grande refletor do sucesso do UFC no Brasil foi a realização do evento de número 134, no Rio de Janeiro, que representou a volta ao país após 13 anos – quando ainda pertencia à família de lutadores Gracie, que vendera a marca por US$ 8 milhões em 2001. A Rede TV!, que transmitia aos sábados reprises de lutas, pode fazer a transmissão oficial em TV aberta, algo inédito para o Brasil. A emissora conseguiu alcançar a liderança no Ibope durante a luta de Anderson Silva contra o japonês Yushin Okami, com pico de 12,8 pontos de audiência.

The Ultimate Fighter

Os resultados expressivos do UFC 134 no Rio de Janeiro fez não só que os proprietários da marca – agora avaliadas na casa do bilhão de dólares – garantissem mais edições do evento no Brasil para 2012, com a volta à cidade já em janeiro, como uma grande disputa pelos direitos de transmissão em TV aberta, envolvendo Globo, Record, SBT, Band e Rede TV! A Band esteve bem próxima de fechar o contrato, com direito a três reuniões com representantes da marca UFC, mas a intenção da empresa líder de audiência no país acabou sendo decisiva para que o acordo não fosse fechado. De olho nos negócios, a opção foi pela difusão da marca pela Rede Globo. Se o grupo já transmitia há anos em TV fechada, com principais lutas via pay per view, a direção de esportes acreditava até então que o evento era muito violento para a televisão aberta. Porém, o estrondoso e rápido sucesso fez com que os diretores da emissora se atentassem para as possibilidades de um programa que possibilita uma mercadoria audiência em rápido crescimento, não visto em outros esportes.

A Rede Globo terá exclusividade na transmissão de todos os eventos realizados no Brasil, provavelmente três em 2012, mais três edições realizadas no exterior e de ser parceira na primeira edição brasileira do reality show The Ultimate Fighter, que abre espaço para que um lutador seja alçado ao UFC, sem passar por outros eventos apropriados pelos donos da marca e de menor porte.

A primeira transmissão ocorreu em novembro de 2011, com direito à narração do principal locutor esportivo da empresa, Galvão Bueno, marcada pela conquista do cinturão dos pesos pesados (120 kg) pelo brasileiro Júnior “Cigano” dos Santos e 22 pontos de audiência. No mesmo dia, o evento estreava em cadeia aberta para os Estados Unidos através da gigante Fox. O número da edição do evento, tradicionalmente utilizado no nome oficial, acabou sendo trocado por “UFConFox”.

Jogos Olímpicos sem Rede Globo

O saldo de 2011 só não foi altamente positivo para a Rede Globo. Primeiro porque a emissora precisou gastar bem mais com eventos esportivos que anteriormente e, além disso, foi o ano em que a Rede Record transmitiu o primeiro grande torneio de caráter poliesportivo, os Jogos Panamericanos. Por mais críticas que se tenham feito à transmissão da emissora – por exemplo, que não transmitiu os jogos em importantes horários do fim de semana, mantendo O Melhor do Brasil (sábado) e Programa do Gugu (domingo) –, as dúvidas ficaram sobre a cobertura do evento pela Globo, com direito a imagens extraídas de provas cujos direitos era da concorrente. Além disso, ficou também a pressão dos patrocinadores de alguns atletas para que eles dessem entrevista para a emissora carioca, que não podia entrar nos espaços pan-americanos.

2012 marca o ano de mais uma edição dos Jogos Olímpicos de Verão, que serão realizados em Londres. Paira a curiosidade sobre como a Rede Globo irá tratar um evento de tamanha magnitude. Independente de tantas vitórias nas disputas mais recentes, ainda permanece como grande derrota a perda dos direitos de transmissão dos principais torneios de caráter olímpico. O novo ano representará uma grande chance de se saber o quão fortes são as suas barreiras de mercado e até que ponto poderão receber arranhões.

***

[Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando no mesmo programa]