Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Resposta a Alberto Dines – II

Senhor Alberto Dines:

1. O senhor deveria divulgar sem demora todos os detalhes desse misterioso conluio que afirma conhecer, envolvendo a Folha de S. Paulo, O Globo, oValor Econômico, a Associação Nacional de Jornais, o Opus Dei e algumas outras forças ocultas, que participaram de uma conspiração para não comemorar o segundo centenário da imprensa no Brasil. Eu estou interessado na obra porque o senhor me colocou no meio desse movimento secreto atribuindo-me o papel de levantar a interdição ou “descensura”, com alguma finalidade oculta, e inspirado, segundo escreveu, nos “paradigmas do Dr. Joseph Goebbels, zelosamente imitados pela Academia de Ciências da ex-URSS e inspirados no patriarca do conservadorismo e do fascismo, Joseph de Maistre (1753-1821)”.

Com tais ingredientes, se tiver talento, poderá transformar toda essa teoria conspiratória que o vem consumindo numa obra de ficção em condições de competir, por mirabolante e sinistra, com O Cemitério de Praga, de Umberto Eco.

2. Eu não afirmei que “as primeiras tipografias teriam sido iniciativa de padres jesuítas”. Quem fez essa afirmação, e isso deixei bem claro, foram autores como Carlos Rizzini, Wilson Martins, Cunha Barbosa, Alfredo Fonseca Rodrigues, José Marques de Melo, Laurence Hallewell. Eu escrevi exatamente o contrário: que não há provas de que uma tipografia jesuíta tivesse sido instalada no Brasil. A confusão que faz quando lê um texto pode explicar as suas acusações sem fundamento. Como a de que “a série ‘Jornais em Pauta’ tem a finalidade precípua de mostrar a Coroa lusa como responsável pelo obscurantismo e a Santa Madre Igreja, incentivadora da arte de imprimir ideias”.

3. Eu nunca escrevi que a Inquisição não existiu. É uma afirmação sua, que me atribuiu com evidente má fé. É uma das velhas e grosseiras táticas atribuir a alguém o que não disse para depois criticá-lo. A Inquisição existiu e foi um dos fatores do atraso da Península Ibérica. Assim como foi fator de atraso a expulsão dos mouriscos e dos judeus. A diáspora sefardita teve consequências econômicas e, principalmente, culturais e sociais das quais Portugal e Espanha se ressentiram durante vários séculos. A perda desses países foi um ganho para quem os recebeu, como o Norte da África, Império Otomano, Inglaterra, Holanda e América, onde formaram uma respeitada elite. Adolf Ochs, judeu asquenazi, fundador da dinastia que até hoje dirige The New York Times, considerava os sefarditas, como a família de seu genro, Arthur Hays Sulzberger, uma aristocracia entre os judeus. O meu propósito, porém, não era escrever sobre a Inquisição nem sobre os judeus e sua diáspora, mas sobre a introdução da tipografia no Brasil, e as pesquisas indicaram que, sem negar a forte influência da Inquisição, a decisão de não permitir a instalação de tipografias na época da Colônia foi da Coroa portuguesa. A Inquisição não impediu a instalação de tipografias nas colônias portuguesas na Ásia e na África, assim como não impediu, a partir de 1808, o funcionamento de prelos no Brasil. Foi a Coroa quem também proibiu o comércio com outros países, a chegada de navios estrangeiros, a instalação de indústrias, o correio e as comunicações internas e tentou impedir a divulgação de informações no exterior sobre o Brasil, a “vaca de leite” de Portugal, como disse D. João IV. Por esse motivo, documentos sobre a Colônia, a começar com a carta de Pero Vaz de Caminha, dormiram esquecidos durante séculos na Torre do Tombo de Lisboa.

4. Sua acusação de que ignorei Hipólito José da Costa é tão ridícula que dispensa comentários.

5. A sua opinião de que Alfredo de Carvalho era um historiador de baixo quilate e acólito do conde Afonso Celso não creio que seja compartilhada pelas dezenas de faculdades de comunicação e de professores e historiadores de jornalismo que fazem parte da Rede Alcar (Rede Alfredo de Carvalho para o resgate da memória e a construção da história da imprensa no Brasil), dirigida pelo professor José Marques de Melo.

6. O senhor não precisa se fazer de vítima, de perseguido pela mídia ou de ter autocompaixão. Quando escrevi que estava no dilema de entrevistá-lo ou não, meu propósito não era fazer nenhuma “sutil ameaça”, assim como não cabe a ridícula acusação de que censurei o que ainda não escreveu. A questão é que, numa conversa, é necessário um mínimo de respeito e educação. Depois das acusações que me fez, de ser mentiroso, trambiqueiro, capcioso, malicioso, entre outras, a dúvida era que o senhor poderia trocar os insultos escritos por insultos orais – talvez mais desagradáveis. Como, depois disso, ainda me acusou de voluntarismo grosseiro e de manipulador, a sua disposição de insistir nos insultos ficou confirmada.

7. Não pretendo responder mais a suas provocações. Pode ficar escrevendo sozinho e ouvir o eco da própria voz. Mas aguardo sua fantasiosa obra com todas as conexões comunistas, nazistas, eclesiásticas e jornalísticas geradas pela sua fértil imaginação. Mau jornalismo, mas poderá surgir uma vocação tardia para a fantasia e a ficção.

***

[Matías M. Molina é jornalista, autor de Os Melhores Jornais do Mundo]