Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eliminação por “comportamento inadequado”

Os reality shows – uma febre de consumo na televisão brasileira dos novos tempos e desejo de sonho de participação de milhares de brasileiros, a maioria jovens em busca da fama e do polpudo prêmio em pecúnia –, ainda que se constituam um jogo de eliminar oponentes, também têm suas regras comportamentais baseadas em princípios de moralidade e de ordem pública, estando sujeitos seus participantes às leis penais e às regras dos bons costumes, em razão de qualquer de suas atitudes tomadas.

A televisão, principalmente os canais abertos, tem um papel fundamental num estado democrático de direito, inclusive nos cuidados necessários à boa formação social dos mais jovens. Assim é que a decisão da direção da Rede Globo de Televisão, e mais especificamente da direção e produção do BBB 12, na eliminação do modelo Daniel Echaniz foi precisa, absolutamente coerente e tomada com a devida urgência. As cenas gravadas, de evidentes indícios de abuso sexual e talvez de violência, com a consumação ou não do covarde e hediondo crime de estupro, contra a jovem Monique, na madrugada do domingo [8/1], após uma festa na mansão do BBB, ainda que não explícitas, foram notórias no movimento corporal do jovem Daniel.

Monique, já desacordada pela ação do uso excessivo de álcool, foi bolinada por Daniel, aproveitando-se este do estado de torpor em que a jovem se encontrava para também, já alcoolizado, extravasar seus instintos sexuais em frente às câmeras. O caso, que causou indignação em diversas entidades, oficiais ou não, de proteção aos direitos da mulher, fortalecidas hoje pelo advento da Lei Maria da Penha, foi explorado e comentado em diferentes mídias sociais sendo objeto de registro em Delegacia Policial, onde o fato será devidamente apurado. O estado etílico da jovem Monique era tamanho – fato que lhe provocou o torpor e o cansaço físico – que sequer se recorda se foi ou não estuprada.

Padrão de qualidade

Um lamentável fato ocorre, portanto, num programa de grande audiência de televisão e de mídia social, ainda que fatos semelhantes não tenham se verificado nas edições anteriores do BBB. Registre-se aqui, por dever de justiça, que as Organizações Globo – frise-se que não tenho nenhuma representação na defesa da citada empresa jornalística – fizeram valer, acima de tudo, os conceitos, normas de conduta, valores e princípios recentemente expressos em seus Princípios Editoriais. A transparência, o respeito às leis, o repúdio ao tratamento discriminatório de minorias, a liberdade responsável de imprensa, o enfoque na relevância do papel social da mídia num regime democrático e os deveres de comportamento ético e profissional de todos os seus profissionais se fizeram valer com a pronta e correta decisão de eliminação do citado participante da edição BBB 12.

A atitude das Organizações Globo não poderia ser outra no resguardo inclusive do elevado padrão de qualidade que a norteia, durante décadas, como veículo de comunicação de massa, parte integrante da História do Brasil República, tanto em suas programações de rádio e televisão como na imprensa escrita e agora através de suas mídias sociais com o advento dos canais de internet.

Sempre aprendendo

Há, no entanto, e disso também não se tem dúvida, ensinamentos a serem colhidos pela produção e direção do Big Brother Brasil com o indesejável caso ora ocorrido. Doravante fica inviável, a meu ver, como medida preventiva necessária, o uso de bebida alcoólica durante qualquer atividade no desenrolar das diferentes etapas do BBB. A ingestão do álcool, como se sabe, produz diferentes atitudes no comportamento humano. Ao mesmo tempo em que para alguns o álcool traz euforia e descontração sadia, para outros é fonte de hiperagressividade e mau comportamento. Frise-se, além dos episódios de violência perpetrados contra a mulher e os próprios filhos no ambiente familiar, os crimes de lesão corporal, as rixas, os conflitos e embates corporais entre jovens, os homicídios, além das permanentes tragédias dos acidentes de trânsito causados pelo consumo da bebida alcoólica. O álcool, sem dúvida, é fonte geradora, além da grave doença do alcoolismo, de violência urbana e violência doméstica. Tal episódio vem inclusive ratificar, mais uma vez, o ensinamento de que a vida é uma constante reciclagem.

Por mais que a tecnologia e os programas televisivos se modernizem e se constituam em grande sucesso, há responsabilidade social e parâmetros de ordem pública e de bons costumes a serem permanentemente monitorados. Que não se arvorem, no entanto, os “arautos da moralidade” e inimigos das Organizações Globo em aproveitar tal episódio para criticá-la impiedosamente. Quer queiram quer não, tal empresa jornalística, de reconhecido padrão mundial de qualidade, agiu com o devido imediatismo e correção necessárias no respeito aos princípios éticos deixados por seu eterno patrono, o saudoso e empreendedor jornalista Roberto Marinho. No jogo da vida ou dos reality shows estamos sempre aprendendo. Continuemos, pois, a espiar, monitorar e reprimir os comportamentos inadequados.

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[Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro e pesquisador em violência urbana]