Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre o artigo “Eles e o poder”

Janio de Freitas, em seu artigo “Eles e o Poder”, publicado na FSP de 02 de fevereiro de 2012, coloca a questão do desprestígio da classe política de um modo singular. Culpa esta última, ao invés de atribuir todas as mazelas à imprensa, em resposta à manifestação de Tarso Genro no Fórum Mundial Temático de Porto Alegre, que denunciou uma orquestração mundial da imprensa visando à despolitização e a despartidarização da democracia.

Embora concordando que os mais do que indícios desta orquestração na imprensa são verdadeiros, atribui a isto um fator apenas: o capitalismo. Sugere, deste modo, que o assunto fica encerrado, como se variantes de procedimentos no interior do modelo capitalista fossem impossíveis na conjuntura pós-queda do muro. Soa estranha esta ponderação vindo de quem vem, isto é, de alguém que, salvo melhor juízo, é um democrata sincero e, portanto, se supõe, não aceita a tese do pensamento único. Outra indagação me ocorre: O capitalismo é mesmo este cão danado que soltaram depois da queda do muro ? Então o tal de capitalismo com face humana (social democracia) era apenas um faz-de-conta que se impôs para que os povos europeus não se sentissem atraídos pelo regime comunista soviético? Estou sendo levado a crer que é isto mesmo.

Antes disso, preocupado em corrigir o que considera uma imprecisão, discorda do sentido generalista “orquestração mundial da imprensa” lembrando que existem várias orquestrações, e não uma apenas. Paira aqui um preciosismo que faria as delicias de outro Jânio, o Quadros. Digo preciosismo porque é um tipo de correção que não altera em nada o raciocínio desenvolvido por Tarso Genro, visto que todos nós, ocidentais, entendemos seu propósito, isto é, continua valendo a ideia de que há uma orquestração, vá lá!, da imprensa do mundo ocidental, bla-bla-blá.

A imprensa como defensora do capitalismo

Tirante estas firulas, vem a parte que interessa, onde ele demonstra a existência de dois lados nesta história. Janio de Freitas vai buscar nos primórdios da redemocratização as causas do que ele chama de episódios cruciais, onde houve a mobilização da população que entregou aos políticos um capital político de valor inestimável que, ao invés de ser usado em beneficio do interesse público, foi usado para interesses pessoais. Daí para a traição eleitoral e o “crescente abandono de escrúpulos pessoais, políticos e, vá lá, partidários”, foi um abr aço. Por fim, culpa os políticos por se desfazerem de todas as noções de compromisso, de coerência, de representação e de decência. Diz mais, a culpa é da classe política, que dilapidou por interesses inescrupulosos o capital político recebido, já que ela poderia colaborar para a existência de meios de comunicação mais ao seu e ao nosso agrado.

De tudo fica a impressão que não fossem os políticos terem barganhado o interesse público em troca de interesses pessoais (o texto deixa no ar a impressão de que os interesses públicos eram presentes antes, isto é, durante a ditadura e anteriores a ela, e desapareceram com a redemocratização ) teríamos ainda um cenário onde ele seria preservado. E assim resta a leitura de que a imprensa como defensora do regime capitalista está na dela ao usar capitalistamente os escândalos de corrupção. Neste particular, concordo com a divisão de culpa entre a classe política e a imprensa, mas discordo dele ao atribuir a esta última um papel tão secundário e passivo.

Deslumbramento e adesão

Sua análise é interessante por trazer à tona a culpa da classe política. Só acho exagerada a intenção de Janio de Freitas de atribuir a ela toda a responsabilidade pela degradação do cenário político no afã de querer isentar a imprensa de qualquer culpa, desconsiderando toda uma realidade onde o poder midiático é mais do que o quarto poder, como bem diz Mino Carta. Hoje, segundo analistas políticos qualificados, a imprensa é a verdadeira face do poder. Ainda mais no nosso país: será que Janio Freitas esqueceu o papel decisivo dela na eleição de Collor, de FHC e agora no apoio desesperado e desmedido dela a Serra? Indo mais fundo, poderíamos até avaliar o papel e o peso da imprensa conservadora nas crises enfrentadas por Getúlio, Jango e mesmo JK.

O fato é que não estamos diante de uma opção binária para encontrar o culpado pelo atual estado de coisas. Tanto o comportamento condenável da classe política, como a orquestração mundial da imprensa estão inseridos e obedecem aos ditames do rearranjo ocorrido após a queda do muro e o fim do socialismo real. Rearranjo ideológico que aflorou com o fim do sistema de pesos e contrapesos que existia até então devido à polarização entre os EUA e aliados e a URSS e seus satélites. A nova hegemonia ideológica, livre das amarras que significavam a existência do socialismo real, que iniciou com a era Reagan e Thatcher e se consolidou com o chamado Consenso de Washington, redundou em um modelo social, econômico e político assentado na globalização e no mercado. Todo o resto teve que se ajustar a este paradigma que FHC, em um assomo de deslumbramento e demonstração explícita de adesão ao novo credo, denominou de nova Renascença. Ao fim e ao cabo, o que resultou disso foi menos compromisso com a população e com o meio ambiente e mais defesa do interesse dos ricos e dos muito ricos pelos políticos e pela orquestração da mídia.

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[Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS]