Durante a desapropriação da ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, iniciada no domingo (22/01), o trabalho livre de jornalistas independentes, fotógrafos e mesmo de equipes de TV foi prejudicado e às vezes impossibilitado pela censura imposta pela Polícia Militar do estado de São Paulo.
Segundo informações do capitão Antero, responsável pela Comunicação Social da PM no local, os jornalistas teriam direito a uma sala exclusiva dentro de uma escola tomada pela polícia como base de operações. O detalhe: a sala não possuía sequer energia elétrica. Em seu discurso, a sala seria um local de descanso, para que os jornalistas pudessem recarregar as baterias das câmeras, celulares e notebooks. Na realidade, era um local isolado para evitar que o trabalho jornalístico fosse realizado.
O policial acrescentou ainda que os jornalistas poderiam caminhar livremente por toda a área em que a polícia realizava operações. Ao lhe ser perguntado, então, se poderiam entrar na área do Pinheirinho, a resposta foi negativa. Lá, era território proibido. Mesmo com escolta de acompanhamento policial. Perguntado se isto não seria um contrassenso, se a presença de jornalistas era permitida onde a polícia atuava, como, ao mesmo tempo, não poderia ser feita nenhuma gravação ou mesmo tirada nenhuma foto dentro do Pinheirinho? Não houve resposta.
P2 agiam como “jornalistas”
Ao longo do dia, uma equipe da TV Globo caminhava livremente detrás do cordão de isolamento da polícia (sempre com coletes à prova de balas), chegando até a realizar filmagens na borda da área em processo de desocupação – e, segundo relato de alguns jornalistas, chegaram a entrar, acompanhados por policiais, no Pinheirinho, o que era negado a todos os demais. Enquanto isso, a equipe da TV Cultura foi, mais de uma vez, interpelada por policiais e mesmo quase expulsa da área de segurança da PM e impedida de se aproximar da área do Pinheirinho.
Durante todo o dia, o trabalho da imprensa foi dificultado por policiais que proibiam a aproximação ao Pinheirinho e, obviamente, pela violência contra a população, com bombas e balas que dificultavam o trânsito pela rua tanto em frente ao principal cordão policial quanto à área apelidada de “campo de concentração”, onde as famílias eram cadastradas e recebiam pulseiras azuis de identificação.
Era reclamação comum de diversos fotógrafos a proibição de se locomoverem livremente no entorno do Pinheirinho.
Em meio aos policiais, era clara a presença dos chamados P2, ou “agentes secretos”, policiais que se infiltram em movimentos sociais para desestabilizá-los e repassar informações à polícia. Ali, em São José dos Campos, agiam como “jornalistas”. Com câmeras fotográficas e de vídeo nas mãos, passavam pelos moradores tirando fotos e gravando, além de terem tentado realizar entrevistas falsas com vários desalojados e também com moradores do bairro vizinho do Campo dos Alemães, principal área de resistência. Foram apontados por vários jornalistas e fotógrafos presentes como perigosos e gente de quem se deve manter longe.
Como governos e polícia se unem
No final do dia 22, quando teve início a demolição das primeiras casas do Pinheirinho, a polícia passou a caminhar pela principal rua da área atirando contra o que se movesse e estes pseudojornalistas, notórios P2, indicavam ao comando os melhores alvos dentre a multidão e as áreas onde deveriam atingir ou se locomover. Este tipo de infiltração e de atitude colocou em perigo os jornalistas legítimos, que poderiam ser depois confundidos pela população ou mesmo ser recebidos a pedradas, como eram os policiais. Felizmente, a população soube respeitar o trabalho dos jornalistas, muitos deles revoltados com a violência no local, enquanto outros provavelmente cumpririam as ordens dos patrões e manipulariam o que era mostrado em fotos e vídeos.
Além das dificuldades impostas pela polícia, os jornalistas também tiveram problemas em encontrar dados confiáveis sobre o local ou locais para onde as famílias despejadas seriam levadas, assim como para onde seus pertences seriam levados, ou mesmo se seriam retirados das casas antes das demolições. Havia, e ainda há, um desencontro de informações sobre mortos e feridos, com hospitais e o IML impedidos pela prefeitura local de fazer declarações. Obviamente, a proibição não impossibilitou totalmente que alguma informação vazasse, ainda que fosse o objetivo de algumas autoridades.
Enfim, o caso do Pinheirinho serve para ilustrar como governos e polícia podem se unir para dificultar ou mesmo impedir a livre circulação de informações e o trabalho dos jornalistas, usando a violência, a desinformação e a intimidação como armas.
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[Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, blogueiro e mestrando em Comunicação]