“A segunda coisa melhor do que saber aproveitar uma oportunidade é saber quando deixá-la passar.” (Benjamim Disraeli, político inglês)
Instituído pela ONU em 2005, o Dia Internacional do Holocausto tem sido celebrado anualmente na maioria dos países que contam com comunidades judaicas. A data escolhida, 27 de janeiro, lembra o dia da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, em 1945, pelas tropas soviéticas, na Segunda Guerra Mundial (em Israel, a cerimônia ocorre em data diversa e de acordo com o calendário hebraico. Em 2012 será em 19 de abril). No Brasil, a homenagem às vítimas do genocídio nazista – que culminou com o extermínio de um terço da população judaica à época (6 milhões, sendo 1,5 milhão de crianças) e de milhares de negros, ciganos, maçons, homossexuais, deficientes físicos, comunistas, socialistas, dissidentes políticos e outros grupos minoritários considerados inferiores e descartáveis pela Alemanha de Hitler – tem sido prestigiada por governadores, ministros e principalmente pelo gabinete da Presidência da República, nas figuras do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff.
Em 2012, o evento mudou de data e endereço, deslocando-se de São Paulo e Porto Alegre para a Bahia em razão da agenda da presidente Dilma, que visitava o estado no dia 30 de janeiro para dar início às obras do Complexo de Camaçari, incluídas no PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento). Horas depois, a presidente viajaria com o governador da Bahia, Jacques Wagner, para Cuba e Haiti. No dia anterior, um domingo (29/1), foi então realizada a cerimônia no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, que ganhou uma inabitual visibilidade na mídia nacional (geralmente discreta em relação a esse tipo de evento), em razão do teor do discurso da presidente e da própria presença do governador petista, de ascendência judaica.
Estado palestino é lembrado
Fadada a ser mais uma cerimônia de recordação, entre tantas que se celebram em várias partes do mundo, a homenagem atraiu o interesse da mídia por um detalhe fora do contexto que funcionou como uma senha mágica tão a gosto dos repórteres de plantão. Ainda na noite de domingo, a fala presidencial já repercutia na maioria dos noticiosos da internet, e na manhã de segunda-feira os jornais destacavam, nos títulos, o pronunciamento que, lamentavelmente, atropelou as mais comezinhas normas de delicadeza que todo convidado deve ter com seu anfitrião.
Utilizando-se da oportunidade oferecida pela cerimônia aberta ao público e diante da comunidade judaica presente que patrocinava o evento, a presidente Dilma, de posse do discurso preparado por sua assessoria, reafirmou a posição brasileira de defesa de um estado palestino que, curiosamente, desejou que fosse “democrático e não segregador”. Sabendo-se que o Itamaraty advoga, desde dezembro de 2010, o reconhecimento de um estado palestino com fronteiras de antes da Guerra dos Seis Dias (1967), postura ratificada pela presidente brasileira na abertura dos trabalhos da ONU, em setembro de 2011, lamenta-se que seus assessores tenham inserido esse item no texto da homenagem, de forma superficial e atemporal, visto que as negociações de paz acerca dos chamados territórios ocupados é um dos mais sensíveis temas enfrentados pelo governo de Israel, em sua política externa e interna (até o conflito, a população israelense estava subjugada a graves fatores de vulnerabilidade e insegurança).
Recados presidenciais
Mas, se o palanque não foi o mais adequado, a tática para atrair manchetes se revelou positiva. Vejamos os títulos das matérias publicadas nos dias 29 e 30 de janeiro: “Na Bahia, Dilma defende estado palestino” (O Estado de S.Paulo); “Na Bahia, Dilma defende criação do estado palestino” (O Globo); “Em evento sobre Holocausto, Dilma defende estado palestino (Jornal do Brasil eTerra Notícias); “Na Bahia, Dilma volta a defender criação do estado palestino” (UOL notícias). Também a agência espanhola de notícias, EFE, distribuiu a matéria sobre o evento de forma semelhante: ”Holocausto commemoración: Rousseff destaca la necesidad de um Estado palestino para la paz em Oriente Medio”. “Al acto vários representantes de la comunidad judia em Brasil y representantes diplomáticos israelíes, así como el gobernador del estado de Bahía, del que Salvador es capital, Jacques Wagner.” O site de notícias israelense de língua espanhola Aurora veiculou no seu link sobre América Latina, em 30.01.2012: “Brasil: Es necessário um Estado palestino para la paz em O. Medio”. “Gobierno considera ‘imprescindible’ la creación de um Estado palestino para lograr la paz en Oriente Medio durante en un acto de homenaje a las víctimas del Holocausto.”
Acredita-se que o Dia de memória das vítimas do Holocausto foi criado para lembrar, de alguma forma, as atrocidades que os homens e seus regimes políticos são capazes de praticar sob a égide de um poder discriminador, prepotente e sem limites. O uso da data, em Salvador, com o intuito de produzir mensagens políticas ideológicas, sub-reptícias e extemporâneas à homenagem, se mostrou um equívoco do ponto de vista de atender à finalidade do evento, ainda que satisfizesse alguns assessores palacianos que sentindo-se em casa, pelo fato da Bahia ter um governador petista, puseram a presidente Dilma para apadrinhar o Estado palestino em meio à cerimônia aos mortos do regime nazista. Uma manobra que deve ter levado os convidados a engolirem em seco, mas que, no final das contas, rendeu uma boa pauta de fim de semana para a mídia, sempre atenta e disposta a repercutir recados presidenciais que possam resultar em observações críticas ou polêmicas. Só que desta vez, se alguém se sentiu ofendido ou desconfortável com o rumo imposto à solenidade, estranhamente calou-se e permaneceu em silêncio.
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[Sheila Sacks é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]