A nova lei de TV paga, aprovada em agosto de 2011, restringe a atuação de uma mesma empresa nos segmentos de distribuição de pacotes, de um lado, e programação de canais, de outro. O princípio, formulado para barrar o domínio do mercado por poucas empresas, está sob risco agora, quando se trava uma disputa para sua implementação.
As Organizações Globo tentam manter um grau de influência na Net – a distribuidora cujo controle passou para as mãos do bilionário mexicano Carlos Slim – e ao mesmo tempo credenciar-se como programadora independente, via Globosat. No acordo de acionistas em que transferiu o controle da Net para a Embratel, de Slim, a Globo manteve o direito de indicar representantes para o conselho da distribuidora de TV paga, que domina 38% do mercado hoje.
Para a Anatel, a agência reguladora das teles, o arranjo não configura saída total da Globo do controle da Net. A agência exigiu a apresentação de um novo acordo de acionistas, no prazo de um ano, prevendo a retirada da Globo do controle da Net. Sem desvencilhar-se completamente da Net, a Globo não poderia ter a Globosat classificada como programadora independente pela Ancine – agência federal que zela pela cota de conteúdo nacional na TV paga, uma outra inovação da lei.
Cotas para nacionais
A regra diz que todo pacote de programação a ser distribuído no país a partir de abril -prazo para que a lei entre em vigor- terá de incluir um canal produzido por empresas nacionais a cada três. Caso seja considerada programadora independente, a Globosat (que reúne canais como GNT e Multishow) poderia oferecer 11 canais nacionais; 12 é o máximo previsto pela lei. Se for considerada uma empresa coligada da Net, a Globosat só poderia oferecer oito canais nacionais.
As Organizações Globo, segundo a Folha apurou, pressionam a Anatel para que adote regras mais flexíveis, baseadas na Lei das S.A., pela qual a presença da Globo na Net não configuraria ingerência no controle.
A Ancine decidiu adotar a Lei das S.A. na sua regulamentação, que está sob consulta pública até este mês.
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Cineastas reagem a campanha da Sky contra lei
A ofensiva da Sky contra a nova lei da TV paga tem sido criticada por alguns cineastas e associações do setor audiovisual do país. A legislação – em fase de regulamentação na Ancine – inclui cotas obrigatórias de programação brasileira nos canais por assinatura e a inclusão de emissoras nacionais nos pacotes.
A operadora já contesta a lei na Justiça. Agora, veicula anúncios em revistas, na sua página na internet e em sua grade de programação. No site, um letreiro avisa: “Seu controle remoto está nas mãos da Ancine.” O presidente da Sky, Luiz Eduardo Baptista, diz que a regulamentação fará a agência ter um “controle soviético” sobre o que os assinantes devem assistir. Num vídeo, atletas criticam a lei por não considerar esporte e jornalismo como “programação qualificada” – não preenchem cotas para a produção nacional. A iniciativa causou reações. “Jogar os esportistas contra a cultura é torpe. Os canais esportivos não precisam atender as cotas”, disse o cineasta Toni Venturi.
O Congresso Brasileiro de Cinema irá ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) contra a Sky. Em 2008, o CBC conseguiu tirar do ar campanha parecida da Associação Brasileira de TV por Assinatura.
O diretor Fernando Meirelles disse que sua produtora, O2, recebeu 56 propostas de programas em três meses, graças à nova lei. “Em nome de que tentar barrar esse boom criativo tão bonito? É pelo direito de os brasileiros assistirem só a Extreme Makeover?”, disse, referindo-se a um reality show americano.
Baptista rebate e afirma que outros segmentos, como programas de auditório, sairão prejudicados. Segundo ele, os pacotes ficarão mais caros (Anna Virgina Balloussier e Matheus Magenta).
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Emissora e agência negam favorecimentos
As Organizações Globo negam ter feito pressão para que a sua programadora, a Globosat, possa ser enquadrada como independente. Segundo Tonet Camargo, vice-presidente institucional das Organizações Globo, as novas regras da Ancine ainda estão sendo analisadas. “É uma bobagem absoluta [a interferência]”, disse.
Para ele, o que existe é uma resistência de alguns canais e produtores às novas regras, porque não conseguirão ter preços competitivos.
Brechas
O presidente da Ancine, Manoel Rangel, afirmou que, se existe algum favorecimento à Globo ou qualquer outra emissora, ele não parte da agência. “A lei já saiu do Congresso permitindo que a radiodifusão esteja nas programadoras independentes”, disse. “Temos simplesmente que cumprir a lei.” Rangel informa que os textos que regulamentam a lei já estavam prontos antes de sua aprovação pelo Congresso. Segundo ele, a Anatel já tinha a sua referência regulatória para definir as relações de controle e coligação no setor.
Na Ancine, essa referência não existia. “Só caberia, portanto, a aplicação da Lei das S.A.”, disse. “A Ancine não está abrindo mão de seu poder regulatório [ao adotar a Lei das S.A.].”
Rangel nega que a Ancine tenha retirado do texto os artigos que especificam criteriosamente as relações de controle e coligação e diz que as punições previstas às empresas -também retiradas do texto- serão objeto de uma norma à parte que entrará em vigor com a lei.
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[Julio Wiziack, Anna Virgina Balloussier e Matheus Magenta, da Folha de S.Paulo]