O autor destas linhas foi admitido como repórter na sucursal de São Paulo do Jornal do Brasil no começo de 1964, pouco antes do golpe militar. Assumiu o posto de secretário da sucursal meses depois, quando o diretor de Redação do jornal decidiu criar o posto. Alberto Dines era esse diretor. Carlos Lemos era o secretário de Redação, Oldemário Touguinhó, repórter de Esportes, Hermano Alves, repórter e analista de Política.
O recém-chegado, com pouco mais de 21 anos, entrava no Olimpo. Não se estranhe a idade. Hoje se pretende, por um projeto de lei, estender a adolescência até os 29 anos. Dines, mal chegado à casa dos 30, guiava a Redação do jornal considerado o grande modelo por todo jornalista jovem e ambicioso daquele tempo.
A reforma do JB, em 1956, havia imposto ao jornalismo brasileiro um novo padrão de excelência e de refinamento. Havia recriado a cara do jornal, pela mudança da diagramação. Havia mostrado como valorizar as fotos, abrindo uma perspectiva nova tanto para os fotógrafos quanto para os diagramadores e editores.
Detalhe: todo editor, naquele tempo, era também um diagramador e cortador de fotos. A paixão pelo corte era realimentada no dia a dia pela renovada exploração de possibilidades e pelo exemplo do melhor cinema. Jovens jornalistas eram estimulados a pensar em formas menos convencionais e mais literárias de contar histórias, em novos estilos de cobertura e de apresentação do material.
Cobertura exaustiva
O JB, na metade dos anos 1960, continuava uma referência importante para a profissão. Já havia contaminado outros jornais. A apresentação da Copa do Mundo de 1962, na Folha de S.Paulo, havia sido claramente influenciada pelo exemplo do JB. Hoje usaríamos a expressão benchmark para descrever o status atribuído a esse jornal. Esse benchmark, lembre-se mais uma vez, era dirigido por um profissional chamado Alberto Dines.
Esse profissional, no entanto, era capaz de manter o jornal em movimento, sem se prender às conquistas dos anos recentes. Como diretor, incentivou novas experiências na forma de contar histórias. O jornal, depois dos naturais excessos da fase inicial da reforma, havia adotado fórmulas para disciplinar o trabalho. Uma dessas fórmulas era a abertura das matérias em dois parágrafos estritamente informativos de quatro linhas cada um. Em 1964-65, essa fórmula disciplinadora havia começado a cansar. Dines decidiu incentivar a quebra do padrão, mais uma vez. O pessoal da sucursal de São Paulo foi estimulado a avançar nessa direção, rompendo as regras de texto ainda em vigor no jornal.
Empurrões como esse eram parte de seu estilo. Dines dirigia com leveza, ensinando, propondo novidades, conversando, ouvindo e criando oportunidades para cada um tentar fazer o melhor. O resultado era um jornal com muita notícia importante, muita informação exclusiva, histórias boas de ler e fotografias fantásticas, produzidas por profissionais de primeiríssimo time como Walter Firmo e Oswaldo Maricato.
Murilo Felisberto, criador da editoria de Pesquisa do JB, trabalhava na sede e funcionava informalmente como ponte entre a sucursal paulista e a cúpula da Redação. Isso ajudou, provavelmente, a estabelecer relações muito boas e muito produtivas entre o pessoal de São Paulo e a chefia nacional.
Quando Roberto Campos, ministro do Planejamento, e Octávio Gouvea de Bulhões, ministro da Fazenda, decidiram, em 1964, adotar uma dura política de estabilização econômica, o Brasil entrou, como era fácil prever, em recessão. A sucursal paulista, mais próxima dos principais centros da indústria, percebeu logo os efeitos recessivos da política oficial e empenhou-se em mostrá-los. Houve um descompasso entre as histórias contadas pelo pessoal de São Paulo e a percepção exibida pela editoria econômica do jornal. Era como se estivessem descrevendo, naquele momento, dois Brasis.
O pessoal de São Paulo aproveitou uma visita de Alberto Dines para discutir com ele essa diferença e para proporcionar-lhe uma conversa com boas fontes a respeito das condições de produção e de emprego. Ele ouviu, ponderou, e incentivou a sucursal a manter o rumo. Ele mesmo talvez nem se lembre disso, mas, graças àquele estímulo, o JB apresentou, nos meses seguintes, uma das mais completas coberturas do penoso ajuste enfrentado pela indústria e por seus trabalhadores naquela fase.
Trabalhoso e divertido
Muitos profissionais da sucursal – o signatário, Laerte Fernandes, Carlos Brickmann, Guilherme Duncan de Miranda, Luiz Alfredo Galvão, Bernardo Lerer e Miguel Jorge (futuro ministro do Desenvolvimento do governo Lula) – continuaram juntos em outras experiências. Todos levaram para as novas atividades a marca daquele aprendizado. Ninguém poderia passar pelo JB, naquela época, sem ser contaminado por aquela fantástica mistura de criatividade, informalidade e dedicação quase fanática ao trabalho. Houve quem abandonasse uma cama com boa companhia ao ouvir pelo rádio, já tarde da noite, a notícia de um incêndio na Praça do Patriarca. Só não perguntem por que o rádio estava ligado, nem por que havia tanta gente na sucursal naquele horário. Sobraram repórteres para cobrir o incêndio.
Pelo menos parte da resposta é muito simples: o jornalismo era muito trabalhoso, mas podia ser, ao mesmo tempo, muito divertido, especialmente num jornal dirigido por Alberto Dines.
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[Rolf Kuntz é jornalista]