Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“Dois acidentes tristes galvanizaram as atenções na última semana. O primeiro, tão próximo do cotidiano de uma cidade grande, impressiona porque poderia ter acontecido com qualquer um que goste das emoções de um parque de diversão. O outro, na longínqua Antártida, impressiona pela força: matou dois militares e destruiu quase todas as instalações brasileiras na região.

Duas notícias fortes, mas só a primeira comoveu a edição da Folha. No último dia 25, a ‘Primeira Página’ trouxe um quadro grande mostrando como funciona o brinquedo do Hopi Hari de onde caiu Gabriella Nichimura, 14. O jornal fez bem: reuniu o pouco de informação que havia para deduzir o que aconteceu à menina, morta estupidamente durante suas férias no Brasil.

A edição seguinte, do domingo passado, não deu tanta importância ao incêndio na Antártida. A capa trouxe apenas uma chamada, abaixo do relógio do horário de verão, embora houvesse espaço de sobra: uma ilustração sem conteúdo informativo tomava todo o alto e um ‘pôster’ anunciava mais um perfil da cantora Madonna.

Não era também um problema de falta de imagem, porque, apesar de ter ocorrido a 5,2 mil quilômetros de distância de Brasília, havia uma bela fotografia das labaredas naquela paisagem gélida.

A má avaliação sobre a importância do que aconteceu na estação brasileira continuou. Na segunda-feira, as imagens eram do Oscar e do jogo de futebol. A chamada sobre o acidente trazia notícia já conhecida, de que os brasileiros dormiam quando o fogo começou. Enquanto isso, os concorrentes ‘Estado’ e ‘Globo’ publicaram fotografias dos pesquisadores resgatados e deram manchete para os dois anos necessários à reconstrução da base brasileira. Só na terça-feira saiu uma imagem dos caixões dos militares na capa da Folha.

Não se trata de desprezo pelo continente mais frio e desconhecido do mundo. O jornal bancou recentemente uma viagem caríssima de uma dupla de jornalista e fotógrafo à Antártida, relatada na ‘Serafina’ de janeiro e devidamente destacada na ‘Primeira Página’.

Há três anos, a Folha acompanhou a primeira missão científica brasileira ao interior do continente gelado e publicou uma revista especial, que foi premiada.

Um dos desafios do jornalismo diário é ser capaz de dimensionar, em pouco tempo e muitas vezes sem conhecer todas as circunstâncias, a importância dos fatos. Com a internet, ficou mais fácil. Dá para saber como os colegas que trabalham nos sites avaliam determinados assuntos, antes de finalizar a edição do dia seguinte.

Com isso, a imprensa ficou mais parecida. Encontram-se os mesmos assuntos e as mesmas imagens nos impressos, na rede e na TV. São raros os momentos em que somos surpreendidos pela capa de um jornal. Pena que, no caso da Antártida, a surpresa tenha sido ruim.

A última dos colunistas

É triste ter que gastar papel para justificar os seus próprios colunistas. Foi o que fez a ‘Ilustrada’, anteontem, ao desenterrar Nelson Rodrigues na defesa de Luiz Felipe Pondé e de sua frase ‘a prostituta é a primeira e a mais sublime vocação de toda mulher’ (coluna de segunda-feira passada).

Em vez de deixar apenas o filósofo responder aos seus críticos, o caderno criou uma polêmica, foi atrás de feminista, escritor e diretor de teatro, numa tentativa de colocar o colunista como herdeiro do dramaturgo, que era reacionário, machista e brilhante polemista.

Resta saber se os leitores que reclamaram da máxima sexista -e que foram chamados por Pondé de ‘mal-amados’ e ‘idiotas’- engolirão essa. O colunista disse e repetiu que não se importa com eles. Espero que a Folha sim.”