A matéria de capa da revista Time [8/3] traz um longo relato do ataque na Síria que matou a jornalista americana Marie Colvin e o fotógrafo francês Rémi Ochlik, no mês passado. O artigo tem como base informações do fotógrafo francês William Daniels, que presenciou o ataque, e também narra os dias angustiantes que ele passou na cidade sitiada de Homs. Junto com Daniels estavam o repórter espanhol Javier Espinosa, o fotógrafo do Sunday Times Paul Conroy e a repórter do Le Figaro Edith Bouvier – os dois últimos feridos. Eles escaparam por meio da fronteira com o Líbano.
Daniels, que fazia um trabalho para a Time, contou à autora da matéria, Vivienne Walt, exatamente o que aconteceu após o bombardeio. “A história dramática de Daniels é um microcosmo do que milhões de sírios estão passando – apenas não podem escapar da mão de ferro de seu governo e seu sofrimento é bem pior”, escreveu o chefe de redação da revista, Rick Stengel. “Contamos esta história não apenas para documentar as atrocidades que estão acontecendo na Síria, mas também para destacar o fato de que jornalistas como Daniels, Bouvier, Ochlik e Marie foram os meios iniciais por onde o mundo soube o que estava acontecendo lá. Ao contrário da Revolução Verde no Irã ou a Primavera Árabe no Egito, a Síria é bem mais isolada e reprimida, poucos podem filmar, tuitar ou enviar evidências por e-mail sobre o que estão vendo ou sofrendo. Esta é uma das razões, como mostra a matéria, pelas quais o regime do presidente Bashar al-Assad tem os jornalistas como alvo deliberado”.
Da excitação ao terror
No dia 21 de fevereiro, chegou uma mensagem de Daniels no departamento de fotografia da Time, em Nova York. A princípio, ele estava animado por ter conseguido chegar no epicentro da revolta na Síria – no meio da maior pauta do mundo naquele momento. Mas a aventura rapidamente transformou-se em terror e, para os que conseguiram sobreviver, os nove dias passados no país serão sempre uma assombração.
Quando uma bomba explodiu na frente do prédio em que estavam, em 22 de fevereiro, o local ficou tomado pela poeira. No meio do caos, Daniels ouviu Edith gritar que não conseguia se mover. Ele a carregou no colo, ensanguentada, quando viu que Ochlik estava morto – o francês e Marie morreram na hora. Junto com cidadãos sírios, os jornalistas ficaram 10 minutos escondidos no banheiro, o lugar mais seguro, até que um carro chegasse para resgatá-los. Eles foram até uma clínica, onde um médico, desertor de Assad, informou que Edith precisaria passar por uma cirurgia, o que seria impossível naquela situação de guerra. Conroy também estava ferido. Sem poder sair, com Edith à base de morfina, e explosões ao redor, eles gravaram um vídeo e entregaram para ativistas colocarem no YouTube. “Tinha um avião teleguiado em cima da gente. Aquilo nos deixava malucos, podíamos ouvi-lo todo o tempo. Queríamos matar aquele mosquitinho e sonhávamos em usar spray anti-mosquito”, contou.
As condições iam ficando mais precárias com o passar dos dias. Não havia mais energia, apenas um lampião e velas para iluminar, além de cobertores e aquecedores a gás para o frio. A comida também estava acabando. Os moradores ajudavam os jornalistas. Durante um cessar fogo, Daniels conseguiu voltar para pegar os pertences de Ochlik, fotografar a devastação do local e ver os corpos dos amigos mortos em um necrotério improvisado. Dias depois, os cadáveres foram queimados, pois não havia mais como mantê-los refrigerados. Ambulâncias apareceram no local, mas não podiam resgatá-los. Daniels falou pelo rádio de uma ambulância com a Cruz Vermelha Internacional, que estava a 500 metros de distância, mas não conseguia passar. O fotógrafo conta que uma série de bombas começou a cair – tendo os jornalistas deliberadamente como alvos. “Estávamos muito assustados. E mesmo com o risco de sermos presos, decidimos que sairíamos com a próxima ambulância que aparecesse”. Nenhuma apareceu e eles decidiram voltar por onde haviam chegado – por um túnel, tentando carregar Edith. Mas o túnel foi atacado no final. Foi um calvário, até que finalmente conseguiram escapar. “O que vivenciamos foi 10% do que os sírios vivenciaram em Bab Amr [bairro de Homs mais atingido pelas forças de segurança]”, relatou. Daniels e Edith foram levados à fronteira com o Líbano em uma arriscada operação organizada por rebeldes sírios, em 1/3, onde foram resgatados por um avião do governo francês. Dias antes, o jornalista espanhol Javier Espinosa também conseguiu fugir da Síria. Com informações de Roy Greenslade [The Guardian, 9/3/12].