A morte de Chico Anysio simboliza o encerramento de um ciclo áureo do que se poderia chamar, a exemplo da MPB, de HPB -o humor popular brasileiro.
Com dotes de ator e capacidade prodigiosa de criar tipos, Chico Anysio foi, na arte de fazer rir, como um Dias Gomes na dramaturgia, um Braguinha na marchinha carnavalesca ou um Jorge Amado na literatura -todos artífices daquele universo cultural “nacional popular” que deu rosto ao Brasil em preto e branco, o país tragicômico do populismo e também da ditadura.
Sua atividade estendeu-se da era do rádio e da chanchada aos tempos de glória da Rede Globo, onde se consagrou em escala nacional, com programas como “Chico Anysio Show”.
Antes de chegar à Globo, em 1969, pelas mãos de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, já havia passado por outras emissoras e emplacado na TV Rio, em finais dos anos 1950, um de seus mais queridos personagens, o professor Raimundo.
Sua extensa galeria de tipos, que superou duas centenas, reuniu figuras de todos os cantos do país -nordestinos, sulinos, cariocas, urbanos, suburbanos e rurais. Do malandro Azambuja ao coronel Limoeiro, passando pelos extraordinários Tavares e Alberto Roberto, Chico fazia humor com personagens que você “conhecia”, gente a quem dava vida de maneira muitas vezes assombrosa.
Restam poucos talentos vinculados ao tipo de humor que Chico Anysio representou, popular sem ser popularesco, politicamente incorreto sem precisar ser imbecil e gratuitamente ofensivo.
É verdade que nem sempre foi possível manter a qualidade em seus programas semanais na TV. E sua projeção na Globo tornou-se em alguns momentos um obstáculo para a renovação.
Já vai se esmaecendo, de todo modo, aquele Brasil que lhe serviu de matéria-prima e cenário. E não deixa de ser sintomático que seu desaparecimento -e o de outros cômicos de sua geração- coincida com a ascensão de um tipo postiço, colonizado e sem graça de humorismo, o tal do “stand-up comedy”.
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[Marcos Augusto Gonçalves é jornalista]