Durante muitos anos, no período colonial e no império, havia no Brasil uma grande quantidade de panfletos “jornalísticos” publicados, principalmente, pela classe política e respaldados pelos partidos. Eram “jornais”, panfletos partidários, tal como os conhecemos ainda hoje. Mas pelas condições precárias dos aglomerados urbanos e pelas necessidades do trânsito da informação, esses panfletos se tornavam veículos que difundiam notícias pela comunidade. Muitos desses panfletos evoluíram e se transformaram em grandes jornais, respeitados pela sociedade local, com uma estrutura empresarial e corpo de jornalistas em seus quadros.
Contudo, a cultura do panfleto ainda é muito presente. Todo jornal, para que assim seja caracterizado, deve cumprir algumas características que lhe concedem a denominação: periodicidade, distribuição, atualidade, objetividade, imparcialidade são os principais requisitos para que uma publicação seja caracterizada como jornal. O panfleto não possui essas características; é uma publicação algumas vezes publicitária, outras vezes opinativa, e outras ainda doutrinária. É qualquer coisa menos jornal. Muitas publicações de circulação semanal ou quinzenal se enquadram nessas características. Apesar de serem chamados semanários, por exemplo, não são publicados necessariamente com essa periodicidade, são chamados – e desculpem a expressão – “devezenquandário”. Circulam na medida em que os “padrinhos” políticos financiam as edições. Não possuem corpo de jornalistas profissionais, a distribuição é precária, não há logística para isso. Em sua maioria, as matérias são opinativas, desatualizadas, “envelhecidas” – denominadas pelos jornalistas de “notícias frias”. Se opinativas, não são imparciais, isentas. Essa é a forma pela qual o “jornalismo panfletário” subsiste.
Relações com o pseudojornalismo
A pior face dessas publicações, e também o seu modo de sobrevivência, é caracterizada pela extorsão econômica sobre empresários, políticos, instituições e profissionais. O produto em si – o panfleto – não tem qualquer credibilidade entre a população. Muitos “leitores” os coletam nos pontos de distribuição para servir de aparato sanitário de cães e gatos. Felizmente todos sabem que esses “panfletos” fazem o jogo econômico e político e constituem plataforma opinativa e publicitária daqueles que pagam suas edições. Infelizmente, esse tipo de publicação tem crescido quantitativamente e provocado mazelas entre uma pequena parte da população. Não são referências de jornalismo, absolutamente.
Causam, principalmente entre a classe política, o fenômeno de cúmplice e refém. Refém porque é a classe vítima, periodicamente, das extorsões e cúmplice porque financia sistematicamente esse tipo de publicação. Se a classe política não der um basta nesse procedimento, não fechar as fontes de recursos e de mimos para essas publicações, haverá um crescimento das extorsões e da produção dos panfletos.
De outro lado, o crescimento das escolas de jornalismo na região denota um amadurecimento das relações de produção jornalística e esse pseudojornalismo, o “jornalismo panfletário”, vai desaparecer ou se constituirá em organizações jornalísticas que atendam os princípios e características básicas do jornalismo.
Ponto final nas mazelas
O ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra, em entrevista publicada pela revista Imprensa, edição 171, de maio de 2002, disse que o método, muito utilizado pelos panfletários, “de informação em off é expressão importante dessa cultura jornalística e muito utilizada por um certo tipo de jornalismo que privilegia manifestações de bastidores, apresenta opiniões como sendo fatos, em detrimento da informação de valor jornalístico e de interesse público. Muitos políticos e governantes estimulam esse jogo porque julgam importante tirar proveito próprio utilizando relações de privilégio com a imprensa. Nesse jogo, apelam com freqüência para expedientes condenáveis como o vazamento.”
Para finalizar esta reflexão, a pergunta que fica é se os governantes têm esse discernimento – apresentado pelo ex-governador do Rio Grande do Sul – e a capacidade para colocar um ponto final nessas mazelas que sugam, mensalmente, o dinheiro público. Dinheiro que poderia servir para construir escolas e hospitais.
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[Gerson Luiz Martins é jornalista e pesquisador do PPGCOM e CIBERJOR/UFMS]