Todos fazem questão de usufruir serviços públicos ou privados de qualidade. Ninguém suporta ser mal tratado, seja em um consultório médico, seja em uma repartição pública. Com justiça. A cada tempo mais cientes do quanto pagam sob a forma de tributos ou preços de mercado pela contraprestação de uma atividade, os consumidores exigem cada vez mais qualidade.
Ocorre que qualidade tem custos. Os profissionais prestadores de serviços, sejam públicos ou privados, investem em formação e treinamento e precisam satisfazer suas necessidades básicas de moradia, alimentação, lazer etc., de modo que necessitam perceber salários que sejam aptos a fazer frente a tais imperativos para uma vida minimamente digna.
Tomemos nota do emblemático caso dos professores. Estes são justamente os encarregados de prestar um serviço de caráter essencialíssimo para um país que, supostamente, emerge como um dos protagonistas da cena geopolítica do século 21: a formação das mentes que tocarão os projetos nacionais adiante, pelos próximos 10, 20, 30, 40 anos.
Paradoxalmente, seus salários obedecem a contingências de apenas um, dois, no máximo quatro anos, de natureza sobretudo eleitoral, ficando no fim da fila das prioridades das três esferas governamentais. A pauperização da classe educadora é gritante. Isso porque nos municípios é mais relevante asfaltar novas vias; nos estados, fazer investimentos de resultados duvidosos, como compra de novas viaturas policiais ou construção de projetos faraônicos. Finalmente, no âmbito federal, é julgado mais importante tocar grandes obras como usinas hidrelétricas, favorecedoras de grandes empreendimentos privados e das empreiteiras que as construirão, as quais – por mera coincidência, claro – figuram sempre como grandes contribuintes em época de campanha eleitoral.
Reviravolta inacreditável
Aos professores, a austeridade, a necessidade de compreensão em face dos “grandes desafios”, dos “grandes projetos nacionais” etc. À população, a perpétua incúria do poder público para com sua formação intelectual. Desprezo que não se consegue disfarçar com a cosmética expansão desmedida do ensino superior em nosso país. Afinal, muitos já sabem que hoje temos analfabetos funcionais com diploma de nível superior. Que o diga, para citar um notório exemplo, o caso do elevadíssimo percentual de reprovação nas provas para ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Onde a imprensa entra nessa equação? Simples. A imprensa exibe, espalhafatosamente, o caráter imediato dos prejuízos ocasionados pela greve, como os alunos que não assistem aulas por alguns dias, o cronograma do vestibular alterado, sonegando as intempéries acarretadas a longo prazo por este estado de coisas. Não se tem um projeto educacional com visão de longo prazo em nosso país. Comenta-se, à boca grande, que as licenciaturas andam às moscas nas universidades brasileiras afora. É possível que brevemente estejamos diante de uma reviravolta inacreditável diante do quadro atual: professores supervalorizados daqui a alguns anos, escolhendo onde, como e quando trabalhar.
Interesse em não divulgar
É vergonhoso que homens públicos, dados a autoelogios grandiosos, às custas do erário em enfadonhas e mentirosas propagandas oficiais, demonstrem, na vida real, tamanho descaso para com o futuro das famílias dos detentores dos votos que os levaram ao poder. A economia para fins pouco nobres hoje, na hora de pagar vencimentos aos professores, poderá se reverter em dispêndio desproporcional de salários quando estes profissionais existirem em ínfima quantidade – as leis do mercado sobre oferta/procura tendem a seguir uma lógica inexorável. É possível que lá na frente haja uma intensa guerra salarial, com uma escola oferecendo salário maior do que a outra, estando o poder público no meio desse fogo cruzado, batalhando pelos mestres, finalmente. Infelizmente, num quadro desses, não haverá professores para todos. Alguém ficará no escuro na hora de receber a transmissão do saber. Até mesmo quem se sente seguro por poder pagar escola privada tende a ser afetado caso o descalabro de hoje não experimente qualquer solução de continuidade. O barato de hoje poderá se revelar caro amanhã, de forma desnecessária.
A evasão nos corpos discentes das licenciaturas deveria ser observada com melhor atenção por nossos gestores públicos da educação. A imprensa poderia atentar para esta pauta, diante de um movimento paredista do magistério, caso não tivesse, com louváveis exceções, o olhar enviesado por interesses outros que não levar informação a nossos lares, pobres cidadãos que somos em face de tanta nebulosidade. Observação que vale tanto para o chamado PIG (Partido da Imprensa Golpista) como para a autodenominada “blogosfera progressista”, alinhada com o atual governo, silente quanto ao estado das coisas nas instituições de ensino federais, que estão com os docentes, majoritariamente, em estado de greve.
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[Lucas Costa é funcionário público, Recife, PE]