“…and image-making is power-making” (Manuel Castells, em The Information Age – The Rise of Network Society)
Quais os efeitos que uma imagem pode gerar num ambiente político midiático? Talvez sejam infinitos, mas um fato recente nos faz refletir sobre essa questão: a imagem de Lula e Haddad ao lado de Paulo Maluf. A foto registra um daqueles momentos que para quem tem mais de trinta e poucos anos, apesar de já ter presenciado muita coisa em política, nunca acreditou que pudesse ver. A busca do apoio de Maluf mostra que o PT paulista está disposto a apostar todas as fichas e entrar num vale-tudo na disputa pela prefeitura de São Paulo, nem que isso custe o que restou de credibilidade à legenda. O custo político da foto no belo jardim de Maluf se fez sentir de imediato com a renúncia de Luiza Erundina do cargo de vice na chapa de Haddad, embora ela já soubesse anteriormente da aliança PT-Maluf.
Mas qual o poder de uma imagem, como a do trio Lula-Haddad-Maluf, numa corrida eleitoral? A análise de uma imagem no jogo político é algo complexo e muitas vezes, como diz o ditado popular, uma imagem vale mais que mil palavras, seja isso positivo ou negativo, além de ser, segundo o sociólogo e teórico da comunicação Manuel Castells, a forma mais simples e direta de mensagem. Na foto em questão, temos o ex-presidente Lula, que pela sua história sempre se mostrou hábil no jogo político, capaz de alianças improváveis para atingir o objetivo final (e muitas vezes pouco nobre) da política desde os tempos de Maquiavel, alcançar o poder e nele se manter, conseguindo se reeleger após as denúncias e o bombardeio midiático do caso do mensalão, além de conseguir fazer seu sucessor, no caso, a presidente Dilma. Tenha-se afinidade com suas ideias ou não, poucos duvidam do talento político do ex-sindicalista.
No outro lado da foto está Paulo Maluf, velho político paulista, ex-prefeito da cidade de São Paulo, ex-governador do estado de São Paulo, herdeiro político da ditadura militar (Brizola, dizia “filhote”), exemplo de truculência política e de pouca civilidade democrática, acusado de inúmeros desvios e corrupção, além de procurado pela Interpol. Não obstante, o deputado federal mais votado do estado de São Paulo em 2006 e o terceiro mais votado em 2010, com cerca de 500 mil votos, além de reverenciado por muitos paulistanos e por moradores da baixada santista, não sendo incomum encontrar pessoas mais velhas e conservadoras saudosas dos tempos de Paulo Maluf, em suma, apesar de tudo, ainda uma força política disputada por muitos, o que levou José Serra a se irritar pela perda do apoio de Maluf.
Em meio aos dois, está o candidato Fernando Haddad, ex-ministro da Educação de Lula e por quem o ex-presidente parece nutrir um afeto político especial.
Uma imposição
O que une Lula e Maluf na foto não é um projeto político ou ideologia, isso seria impossível. Há nos comentários políticos que circularam esta semana a menção a uma possível negativa em ceder a Companhia de Habitação do Estado de São Paulo ao partido de Maluf, o PP, que integra a base de apoio do governador Geraldo Alckmin, o que teria gerado insatisfação e, como consequência, cambiado o apoio ao PT. O pragmatismo na busca por tempo televisivo é bem provável, o que sem dúvida refletiria a atitude calculista típica que domina o meio político brasileiro.
Na tentativa de compreender o que une Lula e Maluf em uma campanha, não é possível desprezar as idiossincrasias dos eleitores do PT e de Maluf, pois, em ambos, há uma rejeição recíproca, das quais as consequências da aliança ainda são imprevisíveis, tanto no eleitorado petista quanto malufista, embora seja bastante provável que os marqueteiros e analistas da campanha petista já tenham calculado seus possíveis efeitos, mas talvez não tenham avaliado o desgaste que poderia ser causado por uma simples foto. Avaliar as consequências que a imagem de Lula, Maluf e Haddad pode ter produzido na disputa eleitoral é possível.
Talvez o primeiro efeito, qualquer que seja a opinião política do receptor, seja o espanto e a indignação. Antigos opositores, pertencentes a partidos com origens muito diferentes, com pouca ou nenhuma afinidade político-ideológica, se abraçando alegres em um belo jardim, como se fossem participar do casamento de alguma sobrinha. Alianças são celebradas em todas disputas eleitorais, e, nesses tempos confusos em que vivemos, o companheiro de hoje se torna o inimigo amanhã e vice-versa, mas em geral são realizadas nos bastidores ou na calada da noite, depois de acordos e conchavos, muito diferente da exposição no caso da aliança PT-Maluf. Segundo a imprensa, a ida de Lula à mansão de Paulo Maluf teria sido uma imposição, sem a qual o deputado do PP não participaria da coligação de Haddad.
Perda das esperanças
Nos editoriais e nas colunas dos comentaristas políticos dos grandes jornais paulistas e na internet, quase todos foram unânimes em rechaçar a aliança que se materializou na foto no jardim, alguns sobre os arroubos de “eles se merecem” ou de “o crime compensa”, se esquecendo talvez que Paulo Maluf, na eleição de 2010, apoiou José Serra e, em 1998, a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, e em 2006 já havia apoiado Lula para reeleição, sem direito a foto, ou que isso rendesse maior atenção ou repercussão na mídia.
Embora seja pouco provável que a foto de Lula, Haddad e Maluf tivesse a intenção de trazer algum retorno político (na verdade seu potencial era mais catastrófico), a imagem acabou por atrair o foco e ganhar o espaço midiático necessário para dar visibilidade ao candidato Haddad, a repercussão teria sido outra se a aliança tivesse sido anunciada apenas em uma nota ou informalmente. A imagem acabou rendendo e se multiplicou pelos vários meios. Aguardemos as próximas pesquisas de intenção de voto para saber qual será o efeito prático na opinião dos eleitores, que, em geral, não se preocupam com os programas de governo ou inclinações ideológicas, mas sim com a identificação que tem com o candidato, e nisso Maluf e Lula são hábeis, mestres daquela arte populista de possuir um eleitorado cativo, o difícil é saber se conseguirão transferir seus votos ao ex-ministro e realizar a negociação simbólica entre as tendências e os valores políticos de seus eleitores, tão diversos neste caso.
O segundo efeito produzido pela foto foi percebido nas redes sociais, como o Facebook. Primeiramente, o tom também foi de espanto e indignação. Mas, num segundo momento, o tom de chacota e crítica surgiu e a imagem Lula-Haddad-Maluf começou a surgir em novas versões produzidas com o software Photoshop. Uma delas trazia, no lugar de Maluf, o vilão de Guerra nas Estrelas, Darth Vader ou, ainda, em uma versão criada pelo site de humor KibeLoco, Lula e Maluf abraçavam o capeta, que ocupava na imagem o lugar de Fernando Haddad. Manifestações criativas e inteligentes, carregadas de crítica.
Diz outro ditado popular que aquilo que os olhos não veem, o coração não sente. Na nossa sociedade midiática, dominada por imagens, esse velho ditado é muito preciso e poderia ser reescrito da seguinte forma “só sentimos aquilo que os olhos podem ver”, situação que se aplica perfeitamente ao caso da foto nos jardins da mansão de Maluf. Temos muito que nos questionarmos a respeito da atmosfera política em que vivemos, sobre o excessivo tom da realpolitik, que parece ser muito mais uma tentativa insana de se chegar ao poder do que qualquer outra coisa, e a repercussão gerada pela foto de Lula-Haddad-Maluf sirva talvez para mostrar que muitas vezes uma simples imagem, planejada ou não, diferente de um fato por si só, pode ser o acesso direto e crucial aos meios de comunicação e à possibilidade de avaliarmos as tendências ou opções tanto dos políticos como da mídia e, consequentemente, à maneira como tentam atingir o espectador/eleitor. E na política midiática, o acesso aos meios de comunicação equivale a existir, ainda que isso venha com o custo da desilusão política e da perda das últimas esperanças do cidadão.
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[Júlio Valério Neto é produtor audiovisual, Andradas, MG]