Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Espetacularização e tecnologização da cultura

Segunda feira (25/06), no Roda Viva, na TV Cultura, Muniz Sodré afirmou: “Na sociedade atual há espetáculo demais”. O ex-diretor da Biblioteca Nacional e professor emérito da UFRJ queria dizer, naturalmente, que a educação se vê prejudicada pelos excessos da indústria cultural e de sua divulgação cada vez maior através dos instrumentos da cultura de massa. Os entrevistadores foram impiedosos nas perguntas; queriam a todo custo que ele respondesse qual a fórmula para o país vir a ter educação de excelência. Mas, como todos os intelectuais, o professor também não tinha a resposta. Ele chegou a citar como exemplo os colégios de aplicação das universidades federais. Mas não foi sobre eles que os jornalistas esperavam ouvir; queriam saber como faria caso dirigisse uma escola pública municipal ou estadual nas atuais circunstâncias; qual seria sua estratégia para que os alunos avançassem no estudo e na leitura, alcançando um patamar pelo menos satisfatório.

Um problema contra o qual toda a intelectualidade se depara atualmente e não vê saída é a tal espetacularização da cultura. Somos bombardeados dia e noite por chamados à audiência, sejam eles oriundos das mídias impressas, audiovisuais convencionais (se é que ainda se pode usar essa palavra) ou mídias digitais. Os apelos são tão intensos e colocados através de estratégias de tamanha sedução que acabam por convencer que o espetáculo é imprescindível. Chega-se a pensar que ele é totalmente natural e que não se pode pensar em outra forma de sociedade.

Oba-oba da mídia

Outro problema que expande a questão acima é o crescimento do aparato tecnológico, como smartphones, notebooks, tabletse tudo mais que tem surgido através do desenvolvimento da microtecnologia. Está claro que não devemos nos opor ao progresso, mas nos dias de hoje quase não há reflexão sobre se a atualização constante e o consumo de todo esse aparato é mesmo imprescindível.

Quando observamos a utilização que a maioria das pessoas faz da tecnologia, ficamos assustados. São poucas que a utilizam com o real sentido de galgar conhecimentos que realmente lhes serão úteis, como os advindos do mundo acadêmico, o universo onde há método e fundamento para pesquisa e estudo. Querendo ou não, a escola é uma ramificação da cultura erudita, pois para se lecionar é necessário ter cursado a universidade. Mas eis que a tecnologização acaba levando as pessoas a utilizarem esses aparelhos não com fins de pesquisa, mas como distração e mesmo como meio de autoafirmação. Veja-se o narcisismo presente nas redes sociais; quase todos se tornam (pseudo) atores e atrizes da espetacularização de suas próprias vidas, buscando também a audiência.

Quem há de se enfronhar numa biblioteca, sobretudo nos anos de formação, para ler um livro por puro prazer ante a avalanche de apelos ao consumo de instrumentos que proporcionam imagens em movimento, som, comunicação em tempo real, jogos, efeitos especiais e interatividade? Quem ainda desejará tatear o mundo da alta cultura como um meio de obter conhecimentos para a sua profissão ou mesmo para a reflexão sobre a vida? Melhor talvez fazer parte do oba-oba que as mídias alardeiam tentando envolver a todos, fazendo acreditar que, assim, cada cidadão é participante ativo da nova sociedade.

Silêncio dos inocentes

Ao invés do incentivo à leitura e ao estudo, o que vemos quando analisamos a questão é a formação de um forte mercado consumidor de tecnologia muitas vezes desnecessária, o que acaba afastando ainda mais o ser humano do que ele realmente precisa.

Quem há de se colocar contra o apelo da tecnologização excessiva da cultura e sua consequente espetacularização? Quem há de mostrar que os argumentos utilizados por essa indústria apontam mais a pseudoverdades? A problemática em que estamos inseridos ainda é a mesma da discutida por Theodor Adorno e pela Escola de Frankfurt em meados do século passado, quando utilizaram como objeto de análise o cinema americano do período. O pensador contemporâneo tem o dever de denunciar o exagero de tal empreitada consumista e mostrar que está imbuído do espírito de pesquisa e de crítica. Caso não o faça, sonegará à intelectualidade o papel de colocar as coisas nos seus devidos lugares.

Em qualquer sala de aula dos colégios de hoje, mesmo no ensino público, a maioria dos alunos possui grande parte desse aparato tecnológico, além de muitos também terem acesso à internet. Até aí tudo bem. Muitos professores, porém, já não conseguem convencer que internet não significa apenas jogos e redes sociais – traduzindo: divertimento.

É preciso sempre desenvolver o pensamento crítico e mostrar que o apelo da indústria tecnológica e cultural não é levar as pessoas ao mundo da alta cultura, um patamar em que a reflexão possa ser mais intensa e daí surgirem soluções para os problemas do mundo atual, inclusive soluções conceituais e de valores. Mas a intenção da ideologia é aproveitar o silêncio dos inocentes e impingir a produção e o consumo avassaladores.

Por isso, as palavras do professor Muniz Sodré, no programa Roda Viva.

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[Haron Gamal é doutor em literatura brasileira pela UFRJ, professor do magistério superior e autor do livro Magalhães de Azeredo – série essencial – editado pela Academia Brasileira de Letras]