Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que nos permitem saber delas

Sonegar informações, além de ser antiético, é uma covardia. Quem recebe a versão enviesada de um fato, sem ter conhecimento sobre a realidade relatada, fica em desvantagem. Sabe menos (ou pior) do que o emissor da informação. Assim se produz o noticiário sobre as greves no país. Seja de que categoria for, o tom é sempre o mesmo: os veículos de comunicação só reproduzem a parte sobre os transtornos causados pela greve. Se as causas são justas ou se os trabalhadores são vítimas, nada disso aparece para o leitor/espectador.

O que leva um trabalhador que precisa daquele sustento a parar com suas atividades, sabendo das consequências? Se as negociações salariais ou de direitos trabalhistas fossem satisfatórias, a greve seria tão inevitável assim? Sim, há os aproveitadores que adoram uma greve só para não terem que pegar no batente. Mas esses apenas mergulham na onda da paralisação; não são os que se empenham para protestar pelo que é devido e encaram a greve no dia a dia.

Vendo o noticiário, a impressão que fica é que esses grevistas não têm mais o que fazer além de atrapalhar os “cidadãos de bem”. Quem são esses caminhoneiros, engarrafando minhas estradas e desabastecendo minha mesa? Quem são esses professores, atrasando minha formação? Quem são esses médicos, deixando de atender quem precisa? Segundo o tom corriqueiro dos jornais, são apenas isso: estorvos ao funcionamento da sociedade.

No Bom Dia Rio de terça-feira (31/7): “No único hospital da cidade, greve de médicos por atraso de salários interrompe atendimentos.” O certo não seria “Atraso de salários provoca greve de médicos”? Parece besteira, mas não é. Na primeira frase, a “irresponsabilidade médica” é o agente. Na segunda, o agente é a incompetência do governo local em remunerar os preciosos funcionários de seu único hospital.

Greve de audiência

Nunca um líder sindical ou mesmo um representante da classe grevista tem voz nas matérias. Em meio às imagens mostrando os transtornos causados pela greve, o locutor entoa o mantra “os grevistas reivindicam maiores salários e melhores condições de trabalho”. Ponto. Nada mais. Nenhuma contextualização. Quanto ganham? Qual o piso? Quais as condições de trabalho? São degradantes?

Nesse reducionismo, o noticiário não enfatiza que serviços mal remunerados ou mal administrados são um transtorno ainda pior para o cidadão (incluindo os “de bem”). Médicos e professores com salários baixos e congelamento de carreira significam menos atração para a profissão, e futuramente menos profissionais para nos curar e nos ensinar – ou mais greve. Caminhoneiros que não têm regulamentado o seu horário de descanso entre as viagens são um risco de morte para os viajantes das estradas. Por que essas dores não saem no jornal?

Esses são apenas alguns exemplos. Mas procure acompanhar as reportagens (sempre curtas) sobre a greve de uma categoria olhando do ponto de vista apresentado aqui. A vontade é de fazer greve de audiência.

***

[Marcos André Lessa é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]