Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A carnavalização do juízo

Querem carnavalizar o julgamento do mensalão. O procurador-geral, Roberto Gurgel, viu-se acusado de “desonestidade intelectual” pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (pode me chamar de Kakay) numa peça de oratória produzida no piano-bar do restaurante Piantella. Na noite de segunda-feira (6/8), o advogado do comissário José Genoíno pediu ao pianista que tocasse o tema de O Poderoso Chefão. Noutro pretório noturno, o bar do hotel Naoum, advogados de defesa dos 38 réus organizaram uma espécie de “bolão”. Como votará a ministra Cármen Lúcia? “Essa condena até Papai Noel.” Marco Aurélio Mello: “Subiu no muro.”

Do outro lado da tribuna, o ministro Marco Aurélio Mello tornou-se uma espécie de comentarista olímpico do julgamento. Terminada a sessão, discute o processo. Numa entrevista aos repórteres Fausto Macedo e Felipe Recondo, deu à “Ação Penal 470” uma nova dimensão: “Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?” A pergunta, solta, é uma simples e relevante insinuação. Num voto articulado, pronunciado na corte, seria muito mais. De qualquer forma, Nosso Guia não está acompanhando o caso, pois “tem mais o que fazer”. Pena que não declare seu interesse pelo futuro de tão diletos companheiros. Sabia-se que Lula era um daqueles ursos que comem os donos, mas não se esperava que comesse José Dirceu desse jeito.

Não há notícia de formação de uma mesa de advogados no bar do Metropolitan Club de Washington para jogar conversa fora durante um julgamento na Corte Suprema. Também não há notícia de um Ministério Público que coloca na internet uma página infantil intitulada “Turminha do MPF”, com uma espécie de “mensalão para jovens”.

Bar é bar, tribunal é tribunal

Há faíscas de vaidade no Supremo, mas há também aulas de rigor. A eloquência dos ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Rosa Weber está no silêncio. Aliás, quem gosta de atribuir lances de vaidade às mulheres, deveria registrar que até hoje passaram três pelo Supremo. Todas demonstraram que “pavão” é um substantivo masculino. (Quem já ouviu falar em pavoa?)

O Supremo Tribunal Federal é chegado a rituais versalhescos. Seus ministros são acolitados por servidores chamados de “capinhas”. Levam-lhes papéis, água e recados. Além disso, são encarregados de empurrar e puxar suas cadeiras, como se esse movimento banal precisasse de ajuda. Coisa de rei. (Um ministro conta que várias vezes quase foi ao chão.) A tendência carnavalizadora faz bem ao espírito nacional. Instalada uma CPI com parlamentares safando seus aliados, surge uma “musa”.

Reunida no Rio uma conferência internacional que vai acabar em nada, a cidade carnavaliza-se e o mundo alegra-se. (Durante a Rio+20, maloqueiros da Glória compraram cocares no Saara para filar as quentinhas que eram dadas aos índios que flechavam o BNDES.) Se há um teatro para produzir nada, carnaval é o melhor remédio, mas esse não é o caso do julgamento do mensalão. Ele produzirá resultados duradouros para o Judiciário e, sobretudo, para o futuro das maracutaias da política nacional.

Se o julgamento ficar nos autos e naquilo que se diz na corte, algo de novo estará acontecendo no Brasil. Prova disso foram as sessões em que falaram a Procuradoria e os primeiros advogados de defesa. Bar é bar, tribunal é tribunal.

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[Elio Gaspari é jornalista]