Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A guerra dos canudos

Venho aqui denunciar o Marcelo Tas. Ele não concluiu o curso de comunicação e escrevia para este jornal. Em compensação, ele foi aceito na prestigiada pós-graduação de multimídia da New York University. Como eu sei disso? Conheci o Marcelo quando ele ralava no curso em Nova York. E por que menciono o nome dele, logo no primeiro parágrafo? Para ilustrar um argumento.

A coluna da semana passada, “Abaixo o diploma de jornalismo“, foi mais lida do que qualquer outro texto que escrevi. Devo isto principalmente ao Marcelo, que tem 3,2 milhões de seguidores no Twitter, e também ao Leo Jaime, que tem perto de meio milhão. Sou seguida apenas por centenas, o equivalente a um punhado de gente na tuitosfera. É o segundo impacto do Marcelo Tas na minha vida. O primeiro foi me levar ao restaurante cubano aqui na Broadway onde, com US$ 7, dava para alimentar a família com arroz, feijão e bife à milanesa, na década de 1980.

A repercussão da coluna anterior ilustra o desafio que a mídia digital representa para o jornalismo e não há diploma obrigatório que resolva o problema. Se eu anunciar neste espaço impresso que um pesquisador nova-iorquino está perto de produzir uma vacina contra o câncer, a história vai ter repercussão. Se eu escrever que o meu cachorrinho dá cambalhota e o Marcelo tuitar, a história se torna viral.

Leitura e escrita

No começo de agosto, representantes das seis principais fundações financiadoras de estudos de jornalismo nos Estados Unidos mandaram uma carta aberta aos reitores de universidades americanas pedindo que elas adotem o modelo do “hospital escola”. Um dos signatários, Eric Newton, da Fundação Knight, disse que mais da metade dos cursos americanos de jornalismo está perdendo o bonde da mídia digital. E eles não se referem ao puro conhecimento técnico, à capacidade de editar um blog ou manipular imagem. Newton comparou o desafio a aprender uma língua para navegar por um novo universo da informação.

Numa entrevista à rádio pública de Minnesota, ele começou dizendo: educação em jornalismo é um espectro vasto demais. A velocidade da mudança só pode ser enfrentada se, como um médico residente, quem estudar jornalismo trabalhar sob supervisão. Ou vai sair da escola “tendo estudado tiro ao alvo sem balas na pistola”. Aqui, uma pausa para imaginar quantas entre as centenas de faculdades de jornalismo brasileiras têm currículos que dão munição de verdade aos estudantes.

Numa era em que carregamos no bolso um aparelho de acesso imediato ao que se passa no mundo e a relação entre quem produz e quem consome notícia foi profundamente alterada, o nosso Senado dá o exemplo da avestruz. Passa uma lei que, além de desafiar o bom senso constitucional, contribui para distorcer uma atividade fundamental para a democracia e em processo de transformação radical.

Enquanto isso, duas fundações de pesquisa em educação revelam que apenas um em cada quatro brasileiros domina a leitura e a escrita e apenas 62% dos que chegam à universidade são plenamente alfabetizados.

Trio de ouro

Acabo de visitar o campus da Universidade Columbia, onde o nome Pulitzer, no portão principal, homenageia o magnata que insistiu na criação da Escola de Jornalismo. O mesmo Joseph Pulitzer que dá nome ao maior prêmio do jornalismo americano. Até 2002, 59% dos ganhadores do Pulitzer não tinham o diploma que os nossos senadores confundem com excelência nesta atividade.

Quis o acaso que eu esbarrasse num grupo de recém matriculados no mestrado de Jornalismo Impresso – um colombiano, uma espanhola, um indiano e um punhado de americanos. Perguntei a eles o que achavam da obrigatoriedade do diploma. Todos são contra, embora estejam pagando uma nota preta para fazer o curso. “É antitético ao nosso sentido de democracia”, disparou logo o mais extrovertido.

E, já que me baixou o espírito da delação, entrego três colegas não diplomados: Sérgio Augusto, Humberto Werneck e Fernando Gabeira. Caro leitor, você acha que este trio, responsável pela minha formação mais do que qualquer curso que frequentei, deve continuar praticando a profissão com impunidade?

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[Lúcia Guimarães é jornalista, colunista do Estado de S.Paulo em Nova York]