O debate e as reportagens [André Miranda (O Globo, 16/08/2012) e Mônica Bergamo (Folha de S.Paulo, 17/08/2012)] sobre o canal YouTube, que oferece mais de 130 filmes brasileiros na íntegra, de graça e de forma ilegal, deveriam nos fazer pensar sobre a História.
Início do século 19. O industrialismo toma corpo e nasce a fábrica como núcleo produtivo ao lado do latifúndio, da banca, da propriedade rural e do comércio. Os tempos modernos exigem mudanças culturais. Surgem conceitos coletivos, tais como escola, hospital, transporte público, restaurante e clube de recreação. Mas a nova ordem também necessita de energia e uma das principais fontes é o óleo de baleia. Assim, tem início a carnificina que hoje motiva e sustenta a ação de grupos como o Greenpeace. Foi nesse contexto que Herman Melville escreveu Moby Dick, obra pela qual o autor nunca viu reconhecimento de crítica ou de público, muito menos financeiro. Londres tinha então, segundo o confiável site Wikipedia, 700 mil habitantes e era a maior cidade do mundo.
Duzentos anos depois, vivemos a Era da Internet, onde Jobs, Gates e Zuckerberg são tão ou mais famosos quanto Da Vinci, Shakespeare e Beethoven. As empresas criadas por esses bravos rapazes americanos faturam trilhões e escrevem mais um capítulo na história da riqueza do homem. Na crista desta onda surfa o YouTube, o canal de exibição de vídeos da Google Inc., proprietária do Gmail e do Blogger, prima-irmã do Facebook e do Twitter. Esta rede abriga mais de 2,1 bilhões de exigentes consumidores demandando acesso gratuito a músicas, filmes, livros, sexo, custe o que custar, até mesmo o fim de pequenas e médias empresas que poderiam gerar outros bilhões de empregos, mas que, neste mar de predadores, mal conseguem nadar para sobreviver.
Chamamos a polícia ou chamamos o ladrão?
Quando um cidadão que é formado em Filosofia e Jornalismo usa o Facebook para indicar aos amigos um excelente filme visto no YouTube, além de cometer um crime previsto em lei, está contribuindo para que salas de cinema e lojas locadoras fechem suas portas e que seus funcionários percam os empregos. Então, a empresa distribuidora de filmes não terá mais a quem vender e, por outro lado, não comprará mais da empresa produtora, que por sua vez deixará de realizar o próximo projeto do artista que dirigiu o excelente filme curtido pelo cidadão. Quem ganha com isso? O cidadão citado, é claro, pois enriquece com simpatia e prestígio junto à sua rede social, podendo até receber um aumento no salário ou arrumar a namorada ideal. Mas dinheiro, que é bom, só vai para as empresas dos bravos rapazes americanos vestidos de defensores da liberdade e pais da contemporaneidade.
Neste cenário e neste roteiro, o somatório dessas simpáticas e ingênuas ações – todas semelhantes à do cidadão filósofo e jornalista – é bem mais do que um crime contra o Direito Autoral. Acima de tudo, é um crime contra a economia nacional que levará à extinção de todo um segmento produtivo, assim como fizeram com os queridos cetáceos 200 anos atrás. Já que a conclusão deste assunto está longe de surgir, fica a dúvida: para solucionar este crime, chamamos a polícia ou chamamos o ladrão?
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[Marcelo Laffitte é cineasta]