O presidente Richard Nixon nunca entendeu por que o satanizaram por gravar as conversas que mantinha no Salão Oval da Casa Branca. Ele sabia que Lyndon Johnson grampeava seus próprios telefones (salvo aquele em que tratava de negócios); John Kennedy gravava audiências e reuniões; Franklin Roosevelt usava um aparelho do tamanho de um frigobar. O deputado João Paulo Cunha nunca entenderá por que ministros do Supremo duvidaram da lisura do contrato que assinou com uma empresa privada de comunicação para assessorar a Câmara dos Deputados. Desprezando-se as traficâncias do comissário com o doutor Marcos Valério, o que ele fez muita gente faz.
O ministro Joaquim Barbosa classificou de “prática enviesada, ilícita” a contratação de uma empresa privada para cuidar de um assunto de natureza pública como a comunicação de uma casa legislativa. Deu até o exemplo da assessoria do Supremo Tribunal Federal, que funciona perfeitamente, chefiada por uma funcionária de nível DAS. A comunicação social da Câmara, de um ministério ou de uma autarquia a cargo de uma empresa privada é uma girafa. Cria portas giratórias e situações em que uma mesma companhia assessora o ministro e grandes fornecedores da pasta.
Ao tempo do tucanato, essa situação era também anárquica. Num ministério, a assessoria privada de comunicação era paga à prestadora de serviços de informática. Quase sempre a colaboração derivava de apêndices de contas de publicidade. Em 2003, a Secretaria de Comunicação da Presidência de Lula era servida por uma empresa privada. Algo como a Petrobras contratar uma distribuidora de combustível. Eliminou-se o disfarce e hoje esses trabalhos são contratados por meio de licitações específicas.
Glorificações pessoais
A comunicação social é um serviço público e deve ficar a cargo de funcionários do Estado. Campanhas de publicidade podem ser licitadas, mas a assessoria de imprensa de um ministério, não. Muitas vezes, a comunicação social privatizada cuida basicamente da imagem do ministro, numa canhestra operação de Photoshop político.
Em muitos ministérios, as assessorias oficiais são raquíticas, com salários relativamente baixos, se comparados com os do mercado, mas serviço público não é negócio. Se um servidor ganha R$ 8.000 dirigindo uma assessoria paga pela Viúva, outro, terceirizado, pode ganhar o triplo. Mais que um ministro, como bem lembrou a ministra Cármen Lúcia no caso do contrato que João Paulo Cunha assinou.
Não se resolve um problema criando outro, maior no custo e pior na qualidade. Admitindo-se que em geral os contratos de “assessoria-photoshop” custem em torno de R$ 10 milhões anuais – um ministério pode gastar mais com a terceirização do que com a máquina pública. Ademais, a assessoria do Estado é estável e preserva a memória da instituição. Nela, é falha funcional passar informações indevidas adiante. Já a terceirizada tem compromisso apenas com a administração que a contrata e lhe é extremamente difícil erguer um muro que separe o atendimento ao ministro das informações que interessam aos fornecedores.
Tanto os ministros como as empresas contratadas sabem quando o dinheiro da Viúva é gasto em projetos políticos e glorificações pessoais. No caso de João Paulo Cunha, deu no que deu.
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[Elio Gaspari é jornalista]