Nesta semana [passada], foi divulgada uma carta criticando uma suposta transformação do julgamento da Ação Penal nº 470 em espetáculo midiático e apontando a atribuição pública de papel de heróis aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso conduz à reflexão sobre o grau de publicidade que deve ser conferido às decisões dos tribunais.
Não há dúvidas, em nosso direito, de que as decisões judiciais devem ser, em regra, públicas. A Constituição estabelece que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”. A ideia subjacente a essa garantia consiste na possibilidade de fiscalização e controle dos atos judiciais. A legitimação da decisão judicial decorre, dentre outros fatores, da justificação dada pelo julgador à sua decisão, que deve seguir os parâmetros jurídicos estabelecidos. Evidentemente, se a decisão fosse secreta, não seria possível conhecer seus fundamentos e, assim, não seria passível de controle algum. Esse controle, como decorre do texto constitucional, é atribuído não só às partes do processo e seus advogados, mas a qualquer pessoa. As exceções à publicidade plena limitam-se aos casos em que há necessidade de defesa da intimidade – como em crimes sexuais, questões envolvendo crianças ou adolescentes etc. – ou do interesse social – como perigo de perturbação da ordem, por exemplo. Ainda assim, nessas hipóteses, as partes ou seus advogados têm direito a acessar os atos e decisões processuais.
Entretanto, a determinação constitucional não detalha como essa publicidade deve ser concretizada no momento da tomada das decisões. Juridicamente, decisão pública é tanto aquela redigida pelo juiz, em seu gabinete, e publicada no Diário Oficial, quanto aquela tomada por um tribunal, em sessão aberta ao público, seja ou não televisionada, por exemplo.
Compostura e serenidade
Nossos tribunais, em regra, realizam seus julgamentos em sessão pública, com a exposição dos votos dos julgadores – como está ocorrendo no Supremo. Esse sistema traz como vantagem o pleno conhecimento do processo de tomada de decisão e das discussões havidas entre os julgadores no momento em que elas ocorrem. Mas é interessante mencionar, por exemplo, que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) adotou, há poucos meses, a realização, em algumas hipóteses, de julgamentos virtuais, sem a realização das sessões públicas, nos quais o relator encaminha seu voto aos demais julgadores por meio do sistema informático do tribunal. Já o Supremo, por sua vez, decidiu, há mais de dez anos, com a criação da TV Justiça, televisionar suas sessões.
Há tribunais estrangeiros que preferem buscar um consenso interno sobre a decisão e seus fundamentos antes de dar publicidade ao julgado. É o que ocorre, por exemplo, na corte constitucional alemã, cujas decisões, na maior parte dos casos, são tomadas por unanimidade, sendo raros os casos em que há a publicização de um voto discordante. Para os alemães, esse procedimento seria importante para preservar a imagem pública do tribunal, evitando a exposição de eventuais desavenças entre seus integrantes e, ainda, garantindo maior serenidade e menor influência das paixões públicas nas decisões.
Se nosso sistema garante maior transparência, acaba, por outro lado, expondo visceralmente os membros dos tribunais – especialmente no Supremo, em razão da transmissão ao vivo. A imagem institucional da corte, como guardiã da Constituição e de suas garantias, dentre elas a da presunção de inocência e do julgamento de acordo com o devido processo legal, é construída, portanto, não somente a partir do conteúdo de suas decisões, senão também da compostura e serenidade do tribunal em suas sessões.
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[Helena Regina Lobo da Costa é professora doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)]